São Paulo, quarta-feira, 26 de março de 1997
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A promoção de investimentos e seus avatares

ANTONIO BARROS DE CASTRO

Durante pelo menos duas décadas após o término da Segunda Guerra Mundial, a concessão de vantagens pelos poderes públicos, visando a promoção de investimentos, foi um expediente amplamente aceito e praticado. O seu objetivo maior era a construção (ou reconstrução) de estruturas industriais modernas.
Havia, sem dúvida, uma preocupação central com a existência de mercados. Mas, note-se bem, com a existência -e não com a conquista de mercados. O atributo da competitividade era, em suma, preocupação menor -ficando subentendido que uma estrutura integrada e completa seria eficiente.
Como, além disso, no Ocidente pelo menos, nunca tantos cresceram (e empregaram) tanto, de forma tão contínua (de 1948 a 1973), eventuais críticas podiam ser tranquilamente ignoradas.
A temporada de crises foi oficialmente inaugurada pelo choque do petróleo, em 1973. A rejeição às políticas econômicas -e muito particularmente à promoção de investimentos- cresceu, daí por diante, avassaladoramente.
Na visão que se tornaria hegemônica, as vantagens não deveriam ser politicamente concedidas e sim conquistadas, mediante competitividade. Capacidade competitiva publicamente outorgada não vale, ou melhor, não vinga.
Na própria América Latina, e pelas mãos do saudoso Fernando Fanjszylber, a preocupação com a competitividade, digamos, autêntica seria desenvolvida em outra direção.
A competitividade obtida com base em salários baixos, recursos naturais não-renováveis, taxas de câmbio desvalorizadas, recessão e outros expedientes passa a ser vista como "espúria".
E a razão é simples: nada disso assegura à empresa vantagens comparativas genuínas e sustentáveis. Estas não podem senão ser (laboriosamente) construídas, mediante incessante aprendizado, experimentação e inovação de métodos ou produtos.
Com o avanço extremo da abertura das economias em curso na atualidade (pelos padrões atuais, todas as economias, médias ou grandes, eram fechadas em 1970) e a exacerbação da competição, dois fenômenos adquirem importância.
O primeiro poderíamos denominar (com alguma má vontade, reconheço) de busca e até mesmo reabilitação das vantagens espúrias. Mundialmente, o destaque aqui pertence ao barateamento da mão-de-obra, seja por desmantelamento das redes sociais de proteção, seja por pressão do mercado (desemprego).
O segundo, patentemente contraditório às idéias hoje dominantes, consiste na restauração de subsídios e outras vantagens.
Nesse caso, as razões invocadas com maior frequência apontam para as desigualdades regionais -o que nos coloca diante de uma consequência verdadeiramente inusitada da propalada afinidade entre globalização e regionalismo. Baden-Wurtemberg, Províncias alemãs do leste, País de Gales, Escócia etc., cada um a seu jeito, praticam hoje ativas políticas de atração de investimento.
Diversas questões podem ser levantadas a partir dessas constatações. Duas delas serão aqui assinaladas.
A economia brasileira teve a sorte de praticar a abertura com estabilização, às vésperas do colapso cambial mexicano.
Mais recentemente, vai se tornando patente que na prática, e pelo menos no que concerne à atração de investimentos, as políticas ativas estão de volta com muita força. Apesar das críticas que se lhes possam fazer, isso tornou possível o decisivo passo em que consistiu o estabelecimento de um regime especial automotivo.
Por outro lado, o país tem uma dinâmica regional espontaneamente vigorosa. A guerra fiscal -além de ser um fenômeno praticamente universal- pode ser vista como uma manifestação, sem dúvida canhestra, do vigoroso impulso no sentido da regionalização do crescimento.
Uma advertência final faz-se indispensável. Não cabe dúvida de que investimentos obtidos a qualquer preço têm menos chances de vingar -sobretudo num mundo em que a intensificação da competição, ao que tudo indica, veio para ficar.

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