São Paulo, quarta-feira, 26 de março de 1997
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Boal quer fazer feijoada com "Hamlet"

PAULO HENRIQUE BRAGA
DE LONDRES

O diretor teatral Augusto Boal quer se unir à Royal Shakespeare Company de Londres para fazer o que chama de "feijoada" com a peça mais conhecida de William Shakespeare, "Hamlet".
Boal, 67, pretende usar partes de "Hamlet" que são normalmente descartadas na maioria das montagens para elaborar um espetáculo.
"A feijoada é feita de todas as partes do porco que os brancos não queriam comer porque achavam que havia coisas melhores. Eu quero fazer uma feijoada do 'Hamlet'", diz ele.
Para isso, Boal quer resgatar diálogos de personagens que são geralmente eliminados -cortesãos, serviçais e soldados, por exemplo- para criar o espetáculo "Os Restos de Hamlet" ou, em inglês, "Hamlet's Leftovers".
"Aquilo que se joga fora, como na feijoada, é coisa muito boa. Eu quero fazer uma peça em que se corte tudo aquilo que é essencial no 'Hamlet' e a gente fique só com o que, em geral, não se usa", diz Boal.
Para o diretor, "Hamlet é uma peça tão maravilhosa que até o bom dia que é dito pelo último soldado que entra em cena tem um sentido, e um sentido importante".
Por enquanto, está confirmada a realização em julho de uma oficina coordenada por Boal, baseada na peça de Shakespeare, com atores do grupo.
Segundo a assessoria de imprensa da Royal Shakespeare Company, a concretização de projetos futuros com o diretor dependerá do resultado da oficina.
Augusto Boal, porém, afirma que a montagem do espetáculo depende apenas de sua agenda e da programação da companhia. O diretor prevê que a realização do projeto só será possível a partir de 1998.
Até março do ano que vem, ele estará ocupado com seu trabalho no Centro do Teatro do Oprimido, em Paris, e deve viajar para os Estados Unidos, Canadá e Coréia do Sul.
Debate
Augusto Boal foi a principal atração do debate "Teatro e Cidadania", que ocorreu no último domingo no Centro Barbican, em Londres.
Com a platéia lotada, o diretor falou da experiência de usar o teatro como instrumento de ação política. Boal foi vereador no Rio de Janeiro pelo Partido dos Trabalhadores, entre 93 e 96.
Durante seu mandato, utilizou técnicas do Teatro de Arena, em que o espectador é convidado a interferir na ação dramática, para identificar os "desejos" da população, elaborando depois projetos de lei.
"Conseguimos fazer com que o desejo se tornasse lei", disse o diretor.
Boal defendeu seu engajamento político e comparou, jocosamente, sua atuação com a do ex-presidente norte-americano Ronald Reagan. "Nos dois casos, os eleitores sabiam que estavam votando em um homem de teatro."
Também participaram do debate os autores teatrais Tariq Ali e Trevor Griffiths, a atriz Janet Suzman e Prosper Kompaoré, diretor do Festival Internacional de Teatro para o Desenvolvimento, realizado a cada dois anos em Burkina Fasso (oeste da África).
Trabalhistas
A exposição de Boal desencadeou um debate acalorado sobre questões da política cultural interna do Reino Unido.
Mark Fisher, deputado do Partido Trabalhista (oposição), que também participou da discussão, afirmou que a associação do teatro com palavras como "perigo e mudança não é muito comum aqui".

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