São Paulo, quarta-feira, 26 de março de 1997
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NEOBOBBISMO

O presidente FHC cunhou mais uma expressão para satirizar (e desqualificar) a oposição de esquerda ao governo. Batizou como "neobobismo" a política dos que afirmam que ele só se preocupa com o mercado financeiro, descuidando do social.
Há pelo menos três questões políticas implícitas no arroubo retórico presidencial. Uma é o seu gosto pela "boutade", traindo um pendor pela ironia professoral. Mas há, também, a questão substantiva de avaliar as políticas sociais de seu governo. E há uma questão de filosofia política.
É uma questão de gosto, que não é cabível julgar, se suas ironias têm maior ou menor graça.
Quanto à efetividade de suas políticas sociais, o mínimo que se pode dizer, acompanhando a primeira-dama Ruth Cardoso, é que as ações sociais do governo FHC carecem de visibilidade. O que, aliás, não chega a espantar: nesse setor as notícias mais fortes e frequentes são negativas, das mortes por incúria em clínicas médicas à incapacidade do governo federal de fazer frente ao MST, passando por avaliações ainda polêmicas sobre o real efeito distributivo da estabilização econômica.
Finalmente, há uma questão de filosofia política, pois o presidente FHC pressupõe que "a sociedade" esteja começando a perceber "que é preciso atuar com outro espírito, com maior convergência".
Entretanto, a noção de "convergência" pode esconder riscos de "despotismo esclarecido".
O tema da "convergência" é central na obra do cientista político italiano Norberto Bobbio.
Para evitar o despotismo, é necessário o pluralismo. Assim, para Bobbio, é possível a convergência numa sociedade quando, por meio do debate, das eleições e da opinião livre, as partes em conflito aperfeiçoam a democracia, produzindo consensos.
Mas o risco a que FHC se expõe é crer que o Brasil hoje conta com uma convergência acabada, ao satanizar a oposição e imaginar um consenso ideal em torno de si mesmo.

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