São Paulo, quinta-feira, 27 de março de 1997
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O Planalto contra-ataca

CELSO PINTO

O governo fez ontem seu lance para tentar limitar o dano imediato e ganhar tempo na disputa sobre o aumento de 28,86% para os funcionários públicos concedido pelo Supremo Tribunal Federal. Ao mesmo tempo, pode ter aberto outra área de atrito com o Judiciário.
A medida provisória 1.570, divulgada ontem, limita a concessão de "tutela antecipada" pelo Judiciário. Juízes de primeira instância estavam usando a "tutela antecipada" em julgamentos de ações de grupos de funcionários públicos para não só conceder o mesmo aumento de 28,86% obtido pelos 11 funcionários beneficiados pelo STF, como para exigir que o Executivo pague o benefício em dois dias.
O governo não sabe exatamente quantos funcionários já foram beneficiados. Estima que mais de 100 ações, envolvendo 100 mil funcionários, estejam correndo e que várias delas já tenham sido decididas. Quem já ganhou vai levar, mas os outros funcionários terão que percorrer todas as instâncias, num processo que pode levar pelo menos dois anos.
A "tutela antecipada" é uma figura jurídica criada em 1994 por meio de lei pelo então presidente Itamar Franco. Ela permite que, em alguns casos, o juiz antecipe os efeitos da ação antes do julgamento final, quando se convencer da correção da alegação e desde que "haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação", ou "fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu".
O argumento do Planalto é que não há risco algum no caso dos salários, nem abuso do direito de defesa. O Planalto vai além e sugere que a motivação dos juízes nessas decisões se confunde com suas próprias demandas salariais, que têm surgido em reuniões e manifestos. Ou seja, os juízes, segundo o Planalto, estão tomando decisões em causa própria.
Mais grave: se o Judiciário tiver poder de obrigar o Executivo a pagar imediatamente seu débito, sustenta o Planalto, estará atropelando a independência entre os poderes e a Constituição. Dois artigos da Constituição, o 167 e o 169, só permitem a realização de despesa se houver dotação orçamentária.
Traduzindo: o Executivo só vai pagar a quem ganhou na Justiça, inclusive os 11 beneficiados pelo Supremo, depois que o Congresso aprovar uma lei dizendo de onde virá o dinheiro. Como o Orçamento não tem sobras, o Congresso terá que definir quais despesas serão cortadas em contrapartida -e dividir o ônus político.
A MP define que a "tutela antecipada" não se aplicará às pessoas jurídicas de direito público nos mesmos casos já previstos para medidas cautelares. O que quer dizer que em nenhum caso que envolva aumento de salários ou vantagens será possível aplicá-la.
A MP limita o dano imediato, mas não resolve o problema. O governo espera a publicação do acórdão do STF para entrar com um pedido de "embargo declaratório", ou seja, de esclarecimento das razões do tribunal.
A esperança do governo é que o STF, ao responder ao embargo (algo que poderá levar mais três ou quatro meses, no mínimo), abra brecha para que o Executivo não pague os 28,89% integralmente. Isso porque o aumento original, de 1993, beneficiou apenas oficiais-generais das Forças Armadas e houve vários aumentos compensatórios para civis, inclusive em 1993. No caso de algumas categorias, o aumento compensatório chegou até a 40%.
Na pior hipótese, de o governo ser obrigado a pagar os 28,89% para todo mundo, a folha de pagamentos aumentaria R$ 5,6 bilhões e os atrasados chegariam a R$ 25,2 bilhões. Se todos os aumentos compensatórios forem descontados, categoria por categoria, o adicional na folha seria de R$ 462 milhões e o atrasado, R$ 9,4 bilhões.
Ou seja, se o STF abrir uma brecha legal para o desconto dos aumentos, o gasto adicional em folha seria perfeitamente absorvível. Os atrasados pesariam, mas eles teriam que vir de precatórios (valeriam para o Orçamento do ano seguinte à decisão) e, como já há precedente, certamente poderiam ser parcelados em no mínimo três anos.
Se prevalecer a pior hipótese para o governo, contudo, o impacto sobre a folha será desastroso e o peso dos atrasados, mesmo parcelado, será enorme. Adiar a decisão para julgamentos caso a caso em cada instância dá tempo ao governo, mas mantém a questão como uma ameaça potencial sobre o equilíbrio fiscal de médio prazo.
O pior cenário, contudo, seria juízes de primeira instância garantirem todo o dinheiro imediatamente. Isso a MP evitou.

E-mail: CelPinto@uol.com.br

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