São Paulo, quinta-feira, 27 de março de 1997
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Dólar arrasta real para o alto

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Meus amigos, como todo país continental, o Brasil é introvertido. Não se entusiasma com temas internacionais.
O pior é que a nossa visão do mundo é altamente seletiva. Em geral, só nos interessa o que acontece nos Estados Unidos. Na cabeça do brasileiro típico, o resto do mundo é uma vaga orla dos EUA.
Esse viés nos leva a cometer os mais variados exageros. Recentemente, tivemos um exemplo disso aqui mesmo, neste jornal. Um dos principais colunistas da Folha resolveu publicar um artigo com o seguinte título: "O Brasil não existe".
A razão do título foi um livreto de 128 páginas, editado em 1996 por uma certa "Foreign Policy Association", entidade norte-americana dedicada a estudos de política externa. Nesse livreto, o Brasil não havia sido mencionado nem uma vez sequer.
Foi o que bastou para que o nosso compatriota concluísse pela "total e absoluta" ausência do Brasil na pauta da diplomacia norte-americana e, consequentemente, pela nossa não-existência.
Vejam vocês: segundo o nosso jornalista, um país da importância e dimensão do Brasil só existe na medida em que conste da agenda do Departamento de Estado. Ou do entendimento que tem dessa agenda a tal "Foreign Policy Association".
Não quero aqui dar a impressão de que não existam razões para colocar em dúvida a existência do Brasil. Não há dúvida, também, de que o nosso jornalista estava exercendo o seu direito de recorrer ao exagero polêmico.
De qualquer modo, por trás do exagero aparece nitidamente não só a nossa já referida tendência a supervalorizar os EUA, mas também uma outra velha conhecida nossa: a arraigada propensão do brasileiro a se colocar, voluntariamente, em posição de inferioridade "vis-à-vis" dos países desenvolvidos.
Como dizia Nelson Rodrigues (outra vez essa figura fatal!), diante do americano ou do europeu, o brasileiro cai com a maior facilidade em inibições convulsivas e atávicas. Ao menor pretexto, começa a pender do nosso lábio "a baba elástica e bovina da humildade".
Mas estou me desviando um pouco do assunto. Não era propriamente disso que pretendia tratar hoje.
Volto à seletividade da nossa visão do mundo. Vejam o caso da taxa de câmbio. A imensa maioria dos comentadores e analistas trata do assunto como se a única coisa que importasse fosse a relação do real com o dólar dos EUA.
Essa seria uma simplificação aceitável se o Brasil tivesse as suas transações comerciais concentradas nos EUA ou em países da área do dólar, como a Argentina. Mas não é o caso.
A União Européia, por exemplo, responde por 27% das exportações e 26% das importações brasileiras de mercadorias, enquanto os EUA participam com 20% das exportações e 22% das importações. A Ásia (exclusive Oriente Médio e Indonésia) absorve 16% das nossas exportações e envia 14% das nossas importações.
Dada a diversificação geográfica do comércio brasileiro, a taxa bilateral com o dólar só é uma aproximação válida em períodos de relativa estabilidade nos mercados internacionais de câmbio.
O problema é que, nos últimos 12 meses, o dólar vem-se valorizando em relação à maioria das principais moedas do mundo. Subiu 15% em relação ao iene japonês, 14% em relação ao marco alemão, 12% em relação ao franco francês e 8% em relação à lira italiana. Das moedas do G-7, a única que se fortaleceu em face do dólar foi a libra britânica, em 3% nesse período.
A força recente do dólar reflete, fundamentalmente, as percepções quanto à evolução dos diferenciais de juros, isto é, a expectativa de alta dos juros nos EUA, combinada com a de juros baixos na Alemanha, no Japão e em outros centros financeiros internacionais.
Como o real está "ancorado" no dólar, sempre que este se aprecia em relação a outras moedas o real vai junto, agravando os problemas já provocados pela excessiva valorização da nossa taxa bilateral com o dólar.
Reparem que, quando o dólar se valoriza em relação a moedas de outros países relevantes para o Brasil, a nossa competitividade em relação a esses países se vê prejudicada num duplo sentido. Primeiro, porque fica mais difícil exportar para esses países e mais atraente importar deles. Segundo, porque o exportador brasileiro perde na competição com os produtores desses países em terceiros mercados, inclusive nos EUA.
Anteontem, o Banco Central dos EUA resolveu, pela primeira vez desde o início de 1995, aumentar a taxa de juro de curto prazo. Se isso for o início de uma nova rodada de aumentos ao longo dos próximos meses, a situação brasileira pode se complicar.
Mesmo que não aconteça uma contração abrupta da oferta de capitais externos para o Brasil, aumentos nos juros dos EUA, combinados com juros baixos no Japão, na Alemanha e em outros países, levarão a uma continuação da tendência recente de valorização do dólar nos mercados internacionais de câmbio.
Nesse caso, teremos nova valorização do real em relação ao iene, ao marco e a outras moedas relevantes, aprofundando a tendência que já vinha sendo observada no passado recente.
Por essas e outras razões é que não se recomenda a perpetuação do tipo de política cambial aplicado no Brasil nos últimos anos. Num mundo de taxas de câmbio flutuantes, um país de comércio diversificado, como o Brasil, não deve amarrar-se ao dólar ou qualquer outra moeda por um período prolongado.

E-mail: pnbjr@ibm.net

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