São Paulo, domingo, 30 de março de 1997
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Igreja anula 300 casamentos em 1 ano

OTÁVIO CABRAL
DA REPORTAGEM LOCAL

Vivendo a fase mais "liberal" de seus 96 anos de existência, o Tribunal Eclesiástico de São Paulo declarou nulos cerca de 300 casamentos religiosos no ano passado.
Esse número vem crescendo a cada ano. Em 94, foram 126 casamentos anulados. Em 95, o número subiu para 168.
Os dados referentes a 96 ainda não foram somados, mas estima-se que o número de casamentos nulos passe de 300.
Praticamente desconhecido da maioria da população, o tribunal funciona nos porões do colégio Nossa Senhora de Sion, em frente à Cúria Metropolitana, em Higienópolis (região central).
Além de julgar casamentos, sua principal atribuição, o tribunal tem várias outras funções, como processos de beatificação e excomunhão (leia texto na pág. 3-2).
Baseados no "novo" Código de Direito Canônico, outorgado por João Paulo 2º em 1983, os juízes eclesiásticos dão fim a casamentos que, na opinião da igreja, nunca existiram como sacramento.
"O tribunal não anula casamento consumado, que é indissolúvel, mas declara nulos matrimônios de casais que nunca viveram como marido e mulher nos preceitos católicos", afirma o cônego Antônio Munari dos Santos, vice-presidente do tribunal.
O principal motivo para a nulidade de casamentos é a imaturidade dos cônjuges no momento de dizer "sim" no altar.
Esse foi o caso da socióloga Josi Rocha Fogaça, 30. Casada aos 14 anos, se separou judicialmente três anos depois. Pensando em se casar novamente na Igreja, teve seu primeiro casamento anulado em 1990. "Eu não tinha nenhuma maturidade quando casei, por isso resolvi pedir a anulação do casamento", afirma Josi.
O leque de motivos para a nulidade de casamentos é amplo, incluindo até homossexualismo e Aids. Mas, para a anulação ser aprovada, o tribunal analisa se o problema alegado já existia no momento da cerimônia e impediu a "concretização do sacramento".
Por isso, a anulação independe do tempo de vida em comum. "É normal declaramos nulos casamentos com mais de 30 anos", explica Geny Agostinho, advogada canônica de São Paulo.
O código de 1983 é apontado como principal motivo para o aumento no número de anulações.
"Nunca houve código tão liberal quanto este. O código anterior, de 1917, era feito para anjos, não para seres humanos. Por isso, casamentos inexistentes perduravam a vida inteira", opina o advogado canônico Daniel Noronha.
A liberalização do tribunal de São Paulo também é atribuída a seu presidente, cônego Martin Segú Girona, psicólogo e doutor em Direito Canônico pela Universidade Gregoriana de Roma.
Desde que assumiu o tribunal, há seis anos, Girona deu nova dinâmica aos processos, que demoram no máximo quatro meses para ser concluídos.
Em seu mandato, praticamente 100% dos pedidos de anulação de casamentos são atendidos.
Nomeado pelo cardeal-arcebispo, o juiz eclesiástico tem mandato de quatro anos, renovável por mais quatro. Girona está em seu sexto ano de mandato.

LEIA MAIS sobre o tribunal nas págs. 3-2 e 3-3

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