São Paulo, domingo, 30 de março de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Deficiente grávida enfrenta preconceito

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma deficiente física, que depende de aparelhos e muletas para se locomover, tem direito a ter um filho? E se esta mulher vive só e a criança crescerá sem um pai, ela continua tendo esse direito?
Ana Maria de Figueiredo, 34, formada em ciências contábeis por uma universidade em São Paulo, desempregada, decidiu enfrentar dois estigmas e dois preconceitos ao mesmo tempo. É paraplégica e está grávida de seis meses de um filho que "não terá pai". Será uma "produção independente", como ela mesma diz. O pai foi escolhido entre os namorados que já teve. Ana informou-o que a decisão era unilateral e que ele não seria cobrado como pai.
Ana vive só desde os 20 anos e mora em um pequeno sobrado no Cambuci, em São Paulo. Quando alguém toca o interfone na calçada, gasta dez minutos para descer as escadas ajudada pelas bengalas.
"Ser mãe é um direito inalienável que toda mulher tem", diz Eleonora Menicucci e Oliveira, do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre a Saúde da Mulher da Universidade Federal de São Paulo. "É um direito à reafirmação da própria vida."
Ana também pensa assim e agiu acreditando nisto. Mas confessa que vem enfrentando preconceitos e críticas até dos amigos mais próximos. "As pessoas me olham como se um deficiente físico não tivesse esse direito", diz. "Eu sempre quis ter um filho. Uma mulher não precisa ter um marido, mas um filho sim."
Quando os amigos souberam, não concordaram. "Alguns chegaram a se afastar. Na rua já me chamaram de irresponsável." Além da falta de transporte, da ausência de equipamentos adequados na cidade, da desigualdade na competição pelo trabalho, Ana enfrenta agora o preconceito e o despreparo dos serviços de saúde.
Véspera de Carnaval
Ana já fez coisas mais difíceis desde que o ônibus em que viajava pela Fernão Dias trombou de frente com um caminhão. Era uma madrugada de fevereiro de 1986 e Ana ia pular o Carnaval em São João Del Rei. Quando saiu do estado de coma, percebeu que não sentia mais as pernas. Tinha 23 anos e estava paraplégica.
O médico disse que poderia deixar a cadeira de rodas em dois anos se tivesse força de vontade e fizesse muita fisioterapia. Um aparelho na perna e bengalas permitiriam que ela ficasse em pé e se locomovesse devagar.
Ana ficou seis meses no hospital e um ano depois começou a procurar escola, trabalho e um lugar para morar. Nos anos seguintes, chegou a ter três empregos: síndica do prédio, escriturária durante a semana e telefonista aos sábados e domingos. As manhãs, ela passava na fisioterapia. "Levava mais de uma hora para percorrer os 200 metros da minha casa ao colégio."
Em 1994, Ana ganhou a ação contra a empresa de ônibus do acidente e com o dinheiro comprou o lugar onde mora. Aposentada por invalidez, Ana recebe o equivalente ao aluguel do telefone que terá de devolver por falta de dinheiro.
Com a barriga crescendo, os médicos avisaram que talvez tenha de passar o resto da gravidez em casa. "Aprendi a fazer tudo do meu jeito. Demoro mais, mas faço bem. Um trabalho que pudesse fazer em casa me permitiria viver a gravidez e cuidar bem do meu filho."

Texto Anterior: Civil cria curso para militares
Próximo Texto: Toda mulher tem direito a filho, diz grupo
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.