São Paulo, domingo, 30 de março de 1997
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A estabilização e o desenvolvimento

CLAUDIO M. CONSIDERA

A economia brasileira entra, em 1997, no seu quarto ano consecutivo de crescimento, após 13 anos de estagnação e inflação.
Nos últimos três anos, com a implementação do Plano Real, o PIB cresceu cerca de 14%, mais da metade dos 13 anos anteriores, e a inflação reduziu-se dos até 40% mensais para menos de 1%. Nesse período a renda "per capita" cresceu cerca de 9%, recuperando a perda de 7,3% dos 13 anos anteriores.
Os efeitos colaterais da estabilização e do crescimento econômico têm impactado a sociedade brasileira não apenas no âmbito econômico, mas também no social. Cabe destacar: a criação de cerca de 1,1 milhão de novos empregos; o estímulo de retorno ao mercado de trabalho de milhares de desalentados que deixaram a população economicamente ativa durante a recessão do início dos anos 90; a melhoria na distribuição da renda graças ao fim do imposto inflacionário; e, como resultado da conjugação dos fatores citados, a nítida redução do número de pobres e miseráveis.
O Real, concebido como um programa de estabilização, está aos poucos se transformando num programa de desenvolvimento econômico, graças às profundas transformações estruturais que vem promovendo e à mudança de concepção de desenvolvimento, no passado realizado sob a égide do Estado e centrado na substituição de importações a qualquer custo.
Rapidamente vem sendo sedimentada no país a concepção de que ao Estado cabe cuidar das questões relativas à educação, saúde e saneamento básico, deixando as tarefas da produção de bens para o setor privado, de acordo com os sinais do mercado. Assim atuando, o Estado estará promovendo efetivamente a redistribuição da renda, por meio da homogeneização da força de trabalho no ponto de partida de sua trajetória competitiva.
Ao se afastar do processo de produção de bens, o Estado vem, ao mesmo tempo, quebrando as barreiras protecionistas que impediam a competição e geravam desperdícios, baixa produtividade, atrasos tecnológicos e, sobretudo, lucros monopolistas para os produtores instalados no país. Os custos econômicos e sociais da espiral preços-câmbio, usada como elemento de proteção adicional às elevadas tarifas, estão expressos na perdida década de 80.
Por sua vez, a reinserção do Brasil no processo de competição internacional em novos moldes, a partir do processo de globalização, vem provocando a necessidade de transformações substanciais no que diz respeito à matriz tecnológica do país, com as empresas privadas se adaptando para a integração competitiva e as empresas estatais se ajustando para atender ao processo de privatização e de competição que passam a enfrentar.
O aumento de produtividade que se observa na indústria apenas recupera o processo evolutivo que caracterizou a dinâmica de década de 70 e que ficou estagnado na década de 80.
Finalmente, o fim da inflação pôs a nu toda a fragilidade do sistema financeiro brasileiro imbricado e sustentado pelo rombo fiscal que se acumula desde o início da década de 80.
A isso se somaram: algumas dificuldades trazidas pela Constituição de 88 no que diz respeito à transferência de receitas para os poderes subnacionais sem a contrapartida das suas antigas obrigações e os benefícios salariais e previdenciários dos funcionários públicos; a falência dos bancos estaduais no bojo da insolvência dos seus respectivos governos, que deixaram de usufruir do imposto inflacionário; e o comprometimento das receitas futuras dos governos estaduais e municipais por meio de financiamento de dívidas pelo lançamento de títulos, cujos prejuízos estão plenamente à vista com a CPI dos Precatórios.
A existência dessa situação era possível apenas graças ao véu da inflação que a escondia, bem como ocultava que na base de sustentação dessa pirâmide da felicidade encontravam-se 40 milhões de pobres e miseráveis que, efetivamente, pagavam o imposto inflacionário.

Claudio Monteiro Considera, 50, economista, doutor pela Universidade de Oxford (Inglaterra), é diretor de pesquisa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).

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