São Paulo, domingo, 30 de março de 1997
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EUA aprendem 'vira' dentro do garrafão

MELCHIADES FILHO
EDITOR DE ESPORTE

Um país sem qualquer história no esporte está ajudando a turbinar o principal torneio amador feminino de basquete do mundo.
As portuguesas Ticha Penicheiro, Clarisse Machanguana (nascida em Moçambique) e Mery Andrade são a sensação do campeonato do circuito universitário norte-americano, a NCAA.
Graças à sua atuação, a equipe da Universidade de Old Dominion, uma das mais tradicionais dos EUA, reencontrou o caminho de vitórias depois de quase dez anos.
O time entrou neste fim-de-semana entre as quatro semifinalistas -junto com Tennessee, atual campeã, Stanford e Notre Dame. Pode sair com um título que não conquista desde 1985.
Mas, mais importante do que recuperar o basquete da cidade de Norfolk (Virgínia), o trio confere pela primeira vez uma atmosfera internacional à competição.
A NCAA sabe que isso é fundamental para sobreviver em meio ao surgimento das primeiras ligas profissionais dos EUA (a ABL acaba de concluir seu torneio inaugural, e a WNBA debuta em junho).
Por isso, fez de tudo para alçar as adolescentes portuguesas à condição de ídolos nacionais.
Bacalhau, a dança do vira e palavras em português passaram a frequentar a campanha de marketing da fase final do torneio.
O apelido consagrado dos playoffs -em que, emparceiradas, as equipes duelam num mata-mata-, por exemplo, foi traduzido: "March Madness" virou Louco Marco (assim mesmo, sem o cedilha, não usado no inglês).
Em quadra, o trio de forasteiras cumpriu a sua parte.
Penicheiro já é considerada a melhor armadora da NCAA.
Com 1,77 m, tornou-se a líder em assistências (7,8 por jogo) e a vice em desarmes (4,6) do campeonato. Além de contabilizar 17 pontos por partida, média excelente.
Mas as estatísticas são a parte menos relevante de seu jogo. Foi por causa de passes e infiltrações mirabolantes que ela, titular da seleção portuguesa já aos 14 anos, hipnotizou uma legião de fãs.
"Ela sabe mais basquete do que eu, viu mais jogos do que eu e compreende melhor do que eu o que se passa em quadra", elogia, humilde, a técnica Wendy Larry.
"O exibicionismo está no meu sangue. O povo quer show. Como não consigo enterrar, tento fazer o espetáculo no chão. Entre o simples e o rebuscado, opto pelo rebuscado", assume Penicheiro.
O estilo flamboyant garantiu à atleta o apelido de Lady Magic, em alusão ao ex-astro da NBA Magic Johnson, afastado das quadras por ser portador do vírus da Aids.
Devido ao rápido jogo de pernas, Machanguana, por sua vez, é comparada ao pivô Hakeem Olajuwon, duas vezes campeão da NBA.
A ala-pivô de 1,89 m é a cestinha da Old Dominion, com 20,1 pontos por jogo e 64,8% de precisão nos arremessos.
Já a ala Andrade, 1,88 m, se encarrega do "trabalho sujo" -é apontada como a melhor defensora do time. Mas não desaponta no ataque, 11,8 pontos por partida.
Juntas, elas conduziram as Old Dominion Monarchs à melhor campanha deste campeonato, com 34 vitórias em 35 embates.
A equipe desembarca nas finais com as melhores médias por jogo de pontos marcados (87), margem de pontos sobre o adversário (36,3) e pontaria (50,9%).
Em quadra, para espanto das colegas norte-americanas, as portuguesas mesclam muita correria com malabarismos.
Sua atuação resultou no interesse de equipes profissionais, tanto nos EUA como na Europa. Penicheiro, por exemplo, que está concluindo agora seus estudos, já foi sondada por oito times.

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