São Paulo, segunda-feira, 31 de março de 1997
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Deságios foram 'pornográficos', diz Maluf

MARTA AVANCINI
DE PARIS

O ex-prefeito Paulo Maluf afirmou ontem que houve "crime" na emissão de títulos públicos para obtenção de recursos destinados ao pagamento de precatórios nos Estados de Santa Catarina, Alagoas e Pernambuco.
Segundo ele, nesses Estados houve venda de títulos com deságios "pornográfico", o que não teria ocorrido na cidade de São Paulo.
A diferença fundamental entre os casos, segundo ele, seria o fato de os Estados teriam recorrido a empresas de consultoria para conseguir emitir seus títulos.
Quatro assessores da prefeitura auxiliaram os Estados nesse trabalho. Mas Maluf afirma que o então secretário de Finanças, Celso Pitta, hoje prefeito de São Paulo, nada sabia. "Ponho minha mão no fogo pelo sr. Celso Pitta."
Para Maluf, se houve erro no caso de São Paulo, a responsabilidade tem que ser repartida com o Banco Central e o Senado, que aprovaram as emissões.
Maluf concedeu entrevista à Folha na tarde de ontem no hotel Plaza Athénée, em Paris, onde está hospedado após uma visita de dez dias aos Emirados Árabes.
*
Folha - Qual é a opinião do sr. a respeito dos trabalhos da CPI dos Precatórios? Como o sr. vê a possibilidade de a CPI aprovar a quebra do sigilo telefônico dos ex-prefeitos supostamente envolvidos, o que afetaria diretamente o sr.?
Paulo Maluf - Em primeiro lugar, eu fiz uma viagem com muito sucesso ao Oriente Médio. Posso lhe dizer que não estou exatamente a par do que está acontecendo.
Entretanto, quero dizer que minha vida é um livro aberto. Foram quatro anos em que fizemos a mais competente e bem sucedida administração à frente da prefeitura.
Não tivemos um só escândalo, tivemos todas as nossas contas aprovadas pelo Tribunal de Contas. Também quero dizer que conheço Celso Pitta há 11 anos. E, no meu partido tem, por exemplo, colaboradores da Folha, como Roberto Campos e Delfim Netto. Pessoas honestas e reconhecidas.
Mas ninguém é mais honesto e mais reconhecido do que Celso Pitta. Portanto, nós não temos absolutamente receio de nada.
Agora, uma coisa é a investigação e outra coisa é perseguição política. Anteontem, o presidente do Senado, senador Antonio Carlos Magalhães, disse que a falta de objetivos e de rumos da CPI poderia inviabilizar os resultados da CPI.
Ou seja, o que a CPI tem que pegar? Primeiro, aqueles que compraram os títulos com deságio de Santa Catarina, de Alagoas, de Pernambuco. Segundo, os bancos ou fundos que compraram os títulos por valor de face. Ou seja, alguém ganhou dinheiro na ida e na volta.
Segundo, a Folha publicou, há questão de 20 dias, contas "fantasmas" em Foz do Iguaçu e lavagem de dinheiro. Esses lavaram, não pagaram Imposto de Renda ou tiveram ganhos com títulos desses Estados de algumas centenas de milhões.
Agora, no momento em que o próprio jornal está interessado em quem falou com quem no telefone, está interessado muito mais, vamos dizer, na parte adjetiva do que na parte substantiva, são os próprios repórteres ou senadores da CPI que vão inviabilizar os trabalhos. A falta de objetividade é que pode prejudicar a CPI.
A CPI tem que botar os ladrões na cadeia e não estar preocupada em abrir a conta telefônica ou a conta de fulano ou sicrano por mera suspeita sem suspeita.
Por exemplo, a própria Folha cometeu duas barrigas por meio de artigos assinados pelo sr. Luís Nassif. Mas amanhã (hoje) estarei em contato com Saulo Ramos, meu advogado, para já verificar da possibilidade de processar o sr. Luís por crime contra a imprensa e por perdas e danos porque ele contou duas mentiras.
A primeira mentira: que eu teria pago uma operação de rins ao sr. Wagner Ramos. Mentira. Ele é funcionário da prefeitura, nem o conheço, nem soube que ele foi operado dos rins, mas, se fosse, existem 16 hospitais da prefeitura para operar gratuitamente não só funcionários como também a população de São Paulo.
Segundo lugar, que eu teria pago um jatinho. Mentira. Mentira. Absolutamente mentira. Agora, nós estamos no império da desinformação ou da mentira em que o próprio "Manual da Folha" não é observado. O "Manual da Folha" obriga a saber o outro lado. E, no caso, o sr. Luís Nassif, ele não ouviu o outro lado.
Folha - Ele (Nassif) teria ouvido isso do sr. Fábio Nahoum, que teria repetido uma afirmação de Wagner Ramos...
Maluf - Eu não participei da reunião. Quem participou da reunião secreta foi o sr. Luís Nassif. E, para mim, é lamentável que o sr. Luís Nassif participe de uma reunião secreta com alguém que possa eventualmente estar incriminado, como o sr. Fábio Nahoum. Eu não julgo ninguém, mas o que se diz é que ele é suspeito.
E junto com o senador José Serra. Então, você vê que existe uma incoerência total. Primeiro, o sr. Luís Nassif não consulta o outro lado e mente quando transcreve, porque ele assumiu e assinou. Então ele, Luís Nassif, mentiu.
Segundo lugar, quem tinha que desmentir seria o Serra, que é membro da CPI. Este se calou. E agora quem veio em defesa da verdade é um suspeito, que é o Nahoum. Isso me parece uma total e absoluta incoerência.
Eu sempre soube que a Folha estava com o rabo preso com o leitor. No caso, o sr. Nassif esteve com o rabo preso com a mentira.
Folha - A Folha revelou que o Tribunal de Contas do Município acusou que cerca de 60% do dinheiro que sua gestão arrecadou com a emissão de títulos para pagar precatórios não foi usado para isso.
Maluf - Nós temos que dividir a pergunta em duas. A primeira é a seguinte: a prefeitura, como fez Santa Catarina, Alagoas e Pernambuco, usou uma empresa de consultoria ou consultoria entre aspas para ganhar dinheiro, para conseguir a aprovação dos precatórios no Banco Central? A prefeitura, não. O prefeito Paulo Maluf foi diretamente na presença do então presidente do BC, Pedro Malan, e lhe entregou a proposta.
Segundo, o BC entregou um estudo para o Senado, e o Senado aprovou. Aprovou com voto favorável dos senadores Fernando Henrique e Mário Covas. Isso nunca foi dito. A aprovação de São Paulo foi absolutamente diversa da dos outros Estados.
Agora vamos para o segundo capítulo. Como foram vendidos esses títulos? Nós não demos para nenhuma corretora vender os deságios que a Folha anunciou. Os títulos foram todos custodiados, todos, no Banespa e, posteriormente, com a intervenção do BC no Banespa, uma parte deles foi para o Banco do Brasil.
E eu chamo a atenção da Folha porque foi a própria Folha que, por volta de abril ou maio de 96, criticou o prefeito Maluf dizendo que havia um conluio entre o prefeito Maluf e o presidente Fernando Henrique, quando foi aprovada a lei da Previdência. Foi março, abril, quando foi assumido compromisso de federalizar os títulos de São Paulo. Se o prefeito quis federalizar os títulos, quis justamente reduzir o custo financeiro.
O que foi feito com o dinheiro? O dinheiro chegou aqui de maneira sadia, ao menor custo financeiro, sem comissão a ninguém e sem nenhum deságio pornográfico como aconteceu com outras operações estaduais ou municipais. A Prefeitura de São Paulo é a única, é o único dos grandes poderes, e nisso eu incluo o governo federal e o governo do Estado de São Paulo, que está em dia com pagamento dos precatórios. A Folha nunca disse que existem 327 ações de intervenção no Estado por falta de pagamento.
Então, sobre o Tribunal de Contas. Quando lhe pedem um dado, ele dá um dado que é uma fotografia, e não um filme. Perguntaram o dado no dia 31 de dezembro de 96. Isso não é válido. Tem que perguntar no correr do tempo.
Folha - Segundo o Tribunal de Contas, entre 93 e 96, teriam sido emitidos títulos que...
Maluf - Não é verdade. Não é verdade. O que acontece é o seguinte. Quando você emite um título, o título está em carteira, ou no Banco do Brasil ou no Banespa. É muito provável que, num determinado dia, entrou dinheiro do IPTU e naquele dia se precisou pagar um precatório porque a Justiça mandou. Então, esse dinheiro do IPTU paga o precatório. E é bem possível que, no outro dia, o dinheiro que estava no precatório, que não é carimbado, pagou algum outro tipo de conta. Ou seja, o que eu quero dizer é que o dinheiro não é carimbado. Segundo, que os precatórios estão em dia.
Folha - É verdadeira a informação de que parte desse dinheiro foi usada em obras?
Maluf - Não, não, não. Mas aí nós temos que dividir. Primeiro lugar, saber o que aconteceu com os outros Estados. Como é que eles aprovaram, quem aprovou, quanto pagaram de comissão. Aí houve crime. Houve crime. Houve venda de títulos com um deságio, eu repito, pornográfico, que não é o caso de São Paulo.
Folha - Em São Paulo não houve deságio?
Maluf - Não. Houve o deságio do dia, do custo financeiro do dia, e a Prefeitura de São Paulo brigou como ninguém, até criticado por jornais como a Folha, para federalizar os seus títulos.
O que quer dizer federalizar os títulos? É fazer com que os títulos tenham a mesma taxa de custo financeiro dos títulos do BC. Ou seja, nós brigamos para diminuir os juros.
Este é o meu ponto de vista e ponho minha mão no fogo. O meu ex-secretário das Finanças e hoje prefeito de São Paulo é um homem de bem. Ele foi austero, honesto.
Folha - Em 94, o sr. assinou um pedido para emissão de títulos da ordem de R$ 606 milhões para pagar precatórios posteriores a 88, o que vai contra a Constituição...
Maluf - Quem julga isso é o Senado, que aprova ou não aprova. Não é nem o jornal nem Maluf.
Se a CPI tiver que ir a fundo, tem que ir na avaliação das propriedades a serem desapropriadas. Haveria uma CPI muito pior do que essa.
Segundo, o custo financeiro desse pagamento. Vamos supor um pagamento que equivale a um índice 10. Depois de quatro anos, está em índice 60, com juros, juros de mora, correção monetária, multa. Então, a desapropriação, em vez de ser hoje uma necessidade para a construção de obras públicas, torna-se um bilhete de loteria premiado para o proprietário.
Eu tenho absoluta convicção de que a maioria das desapropriações está em valor muito maior que o valor de mercado o que, evidentemente, é uma injustiça social.
Folha - O sr. ressaltou que não tem dúvidas quanto idoneidade de Celso Pitta nesse processo...
Maluf - Ponho minha mão no fogo pelo sr. Celso Pitta. Na campanha, ele nunca deixou de tirar seu telefone celular e ligar para sua mãe, para sua mulher e seus filhos durante uma carreata. Ele é um pai, um marido e um filho exemplar.
Folha - A CPI descobriu que quatro assessores diretos de Pitta estariam envolvidos no esquema...
Maluf - Cada funcionário público, e a prefeitura tem cerca de 140 mil, é responsável pelos seus eventuais erros. Já existe uma comissão de inquérito instaurada na Secretaria dos Negócios Jurídicos que vai julgar. Eles já foram inclusive demitidos. O que democraticamente você não pode propor, dentro do Estado de Direito, é pelotão de fuzilamento.
Folha - Eles eram assessores diretos de Pitta. Como ele não sabia, por exemplo, que Nivaldo Furtado de Almeida fez diversas viagens pagas pelo Banco Vetor?
Mauf - Não conheço esse sr. Nivaldo. Mas se ele, fora do expediente, praticou crime de responsabilidade funcional, merece punição. Por isso, foi demitido pelo próprio Pitta, que, se tivesse rabo preso, não o demitiria. O Pitta só tem rabo preso com a honestidade.
Folha - A Polícia Federal está investigando as possíveis ligações entre o caso dos precatórios e o caso Paubrasil. Existem corretoras que estariam envolvidas nos dois casos?
aluf - Não há nenhuma prova, nenhum processo judicial que diga que houve financiamento de campanha eleitoral pela Paubrasil. Isto é mera repetição da imprensa. Não há processo nem na Justiça nem na polícia.
Folha - A investigação, que aponta possíveis ligações dos casos...
Maluf - Você disse bem, são possíveis ligações. Não tenho ligação com o caso.
Folha - E o pianista João Carlos Martins, que se diz abandonado pelo sr. depois do caso Paubrasil?
Maluf - Não comento.
Folha - Martins disse que foi um laranja no Paubrasil e que Pitta seria um laranja nos precatórios.
Maluf - Não comento. Você está baixando o nível da entrevista. O que eu desejo é que, no nosso país, os ladrões vão para a cadeia. No momento em que você deseja tirar uma resposta sobre uma suposição de uma hipótese que não existe, não está contribuindo para que esse assunto seja solucionado e que haja justiça.
Folha - Por que o sr. assinou o pedido de emissão em 94, se ele não tinha sustentação jurídica, conforme a prefeitura admitiu?
Maluf - Tanto tinha sustentação jurídica que o BC aprovou cerca de R$ 500 milhões, que, com a correção, deu R$ 606 milhões. O Senado aprovou. Repito. Com os votos do senador Fernando Henrique Cardoso, ex-ministro da Fazenda, na ocasião já eleito presidente, e de Mário Covas.
Foi aprovado por unanimidade. Se você diz que o Maluf errou, você teria que dizer, no mínimo, o Maluf e o Senado erraram, mas ninguém errou. As contas estavam certinhas.
Folha - O sr. sabe de alguma empreiteira que tenha pressionado a prefeitura a emitir precatórios?
Maluf - Quem conhece bem o Paulo Maluf sabe que ninguém força ele a nada. Quando eu tomei a decisão, eu tomei junto com as altas autoridades da República.
Repito: o presidente do BC, Pedro Malan, presente em um almoço junto com Alkimar Moura, diretor da Dívida Pública, ciente da primeira emissão, que foi pedida pela prefeita Luiza Erundina (PT).
A primeira emissão que foi aprovada na minha administração havia sido pedida pela Erundina.
Outra coisa que a Folha não explorou é que o sr. Wagner Ramos disse à revista "Veja" que ele trabalhou na gestão Erundina, e ele disse que em 92, quando foram candidatos a prefeito Maluf e Suplicy, ele coordenou comitê do Suplicy. Ele disse que era petista.

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