São Paulo, terça-feira, 1 de abril de 1997
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"A Galera de Obelix" desembarca no Brasil

LUIZ ANTÔNIO RYFF
DA REPORTAGEM LOCAL

Graças à poção mágica que dá um poder descomunal, a aldeia povoada por irredutíveis gauleses conquistou o mundo.
Em 1959, o primeiro álbum do baixinho narigudo, "Asterix, o Gaulês", vendeu 6.000 cópias na França. Apenas lá, "A Galera de Obelix" foi lançado em outubro de 1996 com uma tiragem de 2,8 milhões.
No Brasil, os 30 álbuns das aventuras de Asterix já venderam quase 2 milhões de cópias e 280 milhões no mundo -o dobro do jornalista Tintim, por exemplo, o famoso personagem criado pelo belga Hergé.
Em "A Galera de Obelix", que chega ao país neste mês, a aventura começa quando o amigo de Asterix, o rechonchudo Obelix, bebe, enfim, a poção mágica.
O desenhista Albert Uderzo, 69, um dos dois pais do personagem, e que passou a escrever as histórias após a morte do roteirista René Gosciny, em 1977, falou à Folha.
Ele reclamou das interpretações dadas ao gaulês Asterix: "Os franceses são cartesianos. Quando existe uma coisa que eles não compreendem, tentam explicar de qualquer jeito".
*
Folha - Como o sr. explica o sucesso alcançado por Asterix?
Albert Uderzo - Não conheço o segredo. Se hoje eu quisesse recomeçar a mesma coisa com outros personagens, não conseguiria.
Folha - Por que o sr. decidiu criar espécies de anti-heróis até um tanto quanto grotescos?
Uderzo - Quando eu e René criamos o personagem, em 1959, era normal criar arquétipos de heróis. Todos nos pediam heróis que as crianças podiam se identificar. Heróis fisicamente belos e inteligentes.
Mas, assim que nós tivemos a oportunidade de criar alguma coisa a nosso gosto, decidimos fazer anti-heróis. Na verdade, Asterix é um anti-herói do ponto de vista físico, não do ponto de vista moral.
Folha - O sr. se inspirou em alguém para criar Asterix ou Obelix?
Uderzo - Não (risos). O pobre coitado que se parecesse com eles sofreria muito.
Folha - No espírito de alguém?
Uderzo - Tentamos retraçar o espírito do francês médio. Mas percebemos que esse espírito pode ser encontrado em diferentes nações, pois os personagens são reconhecidos em todos os lugares. Folha - Bom, Asterix é um sucesso planetário. Menos nos EUA...
Uderzo - Os EUA são algo particular...
Folha - Talvez por ser o "império romano" atual...
Uderzo - Exatamente. Os EUA são uma nação que se diz muito democrática, mas ela sabe fechar suas fronteiras quando interessa. Folha - Há quem veja Asterix como uma alegoria. Por exemplo, a pequena aldeia resistindo aos romanos não seria a França resistindo ao poderio norte-americano?
Uderzo - No início, tudo isso era uma gag. Optamos por uma história da França com o povo gaulês e o império romano, sem querer atribuir qualquer ligação, seja com a Segunda Guerra Mundial, seja com os EUA, no plano comercial. Jamais pensamos nisso.
Mas essa é uma questão bastante curiosa. Dizem que os franceses adoram explicar tudo. A imprensa disse que o sucesso de Asterix vinha desse espírito patriótico francês que nós teríamos enaltecido, o que fazia com que os franceses se reconhecessem em Asterix.
Isso nos aborreceu profundamente. Pois havia uma idéia de nacionalismo, e até de xenofobia, que nos desagradava.
Folha - Há quem veja Asterix, um gaulês que resiste ao invasor enaltecendo o orgulho nacional, um pouco como Joana D'Arc. Hoje há uma apropriação da imagem de Joana D'Arc pela Frente Nacional (partido de extrema-direita)...
Uderzo - Asterix nunca teve essa pretensão. Não queremos cair na armadilha de mostrar a mesma imagem que a FN faz de Joana D'Arc. Asterix sempre foi apolítico. Nosso único objetivo sempre foi se divertir. Quando nós escolhemos a Gália na época da ocupação romana, escolhemos o contrapé da história. Se contássemos a história atual, não seria cômico.
Folha - Alguns os criticam por não serem fiéis à história real. O sr. tem preocupações pedagógicas?
Uderzo - Absolutamente não. Mas se encontrarem um sentido pedagógico, melhor. Eu não sou contra. Tentamos nos aproximar da história para dar um pouco mais de autenticidade às nossas histórias.
Mas a gente se desvia de vez em quando. A prova disso é que fizemos Asterix descobrir a América, bem antes de Cristóvão Colombo. Não podemos dizer que isso é muito pedagógico.
Folha - De onde o sr. tirou a idéia para fazer "A Galera de Obelix"?
Uderzo - Eu me dei conta que, após 37 anos de existência do personagem, o Obelix jamais provara realmente a poção mágica...
Folha - Mas e em "Asterix e Cleópatra"?
Uderzo - Sim, mas ele bebeu apenas uma gota. Eu queria ver o que aconteceria se ele repetisse o erro que cometeu quando era criança (ele havia caído em um caldeirão cheio). Depois, tive a idéia da transformação que ele sofre. O druida não tem uma contrapoção mágica para fazer Obelix voltar ao estado normal. Isso conduziu a uma viagem. E, como não sabia a que país levá-los, utilizei um lugar mítico e misterioso, a Atlântida.
Folha - O sr. tem idéias para um novo álbum?
Uderzo - Não. Esse "A Galera de Obelix" acaba de sair e quero descansar. Não tenho mais 20 anos e é preciso saber lidar com o tempo. Mas eu não estou dizendo que não farei outros álbuns.
Folha - Por que o sr. não criou um estúdio com desenhistas para ajudá-lo?
Uderzo - Falam bastante de mim porque criei minha editora. Dizem que sou um homem de negócios. Se fosse realmente um homem de negócios, eu teria criado um estúdio e lançaria um álbum a cada seis meses.
Folha - Mas há pessoas que ajudam a feitura de Asterix, não?
Uderzo - Após 50 anos de trabalho, tenho problemas com a mão. Faço todo o lápis, mas um arte-finalista faz o traço e outro, a cor. É o único tipo de ajuda que tenho.
Folha - Podemos esperar um novo álbum de Asterix?
Uderzo - Espero que sim. Mas não posso dizer quando. Se passaram cinco anos entre as duas últimas histórias. Talvez se passem mais cinco, e nós conversaremos de novo quando eu tiver 75 anos. Ou talvez não tenha mais, não sei. Mas já podemos marcar a próxima entrevista.

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