São Paulo, quarta-feira, 2 de abril de 1997
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As desculpas da arrogância

ELIO GASPARI

Qualquer pessoa que tenha acompanhado a vida política do governador paulista, Mário Covas, fica com uma tremenda vontade de aceitar o seu pedido de desculpas pelo espancamento dos moradores da favela Naval, em Diadema, e pela morte do conferente Mário José Josino. É pena, mas não dá.
Não dá, porque as desculpas que o governador pede não são as da humildade. São as da arrogância.
Não são as da humildade porque em sua entrevista coletiva ele sustentou que até a hora em que o "Jornal Nacional" rodou a fita dos espancamentos e do assassinato, a Polícia Militar paulista fez o certo. Não fez o certo, fez o pior. O comandante da 2ª Companhia do 24º Batalhão da PM disse que os policiais envolvidos no caso tinham comportamento "de bom para ótimo". (Logo, não havia porque duvidar que fossem inocentes.) Já as vítimas eram suspeitos de "envolvimento com drogas". (Logo, não havia porque duvidar que fossem culpados.)
As desculpas pedidas por Covas são produto da arrogância. A denúncia do assassinato de Josino pelos policiais foi publicada no "Diário do Grande ABC" no dia 8 de março. Do dia 8 ao dia 26, quando apareceu a fita, os PMs não tiveram sequer a sua prisão temporária determinada. A isso o governador chamou "andamento em ordem" do inquérito. No dia 26, quando apareceu a fita (e ela chegou primeiro às mãos da polícia, depois é que foi para as da Rede Globo) não ocorreu à PM anunciar o aparecimento de uma nova prova (e que prova). Não ocorreu também avisar ao governador. E o que ele acha disso? "O chefe do chefe tem chefe", respondeu Covas, como se estivesse reproduzindo a cadeia de comando do Exército americano durante a guerra do Golfo. Não lhe ocorreu lastimar que a fita tenha ficado numa espécie de segredo de Justiça. Se fosse uma fita na qual aparecesse o prefeito Paulo Maluf na praia, jogando vôlei com o banqueiro Fábio Nahoum, ficaria uma semana na gaveta?
Sustenta o governador que "hoje parece fácil dizer (que houve crime), depois que se viu o filme". Não é bem assim. Depois que se viu a fita, fica impossível dizer que não houve crime. A diferença não está na facilidade trazida pela fita, mas na sua natureza definitiva, irreversível. Em nenhum momento o governador deu a impressão de ter percebido que, do dia 8 ao dia 25, o inquérito cheirou a pizza. Pelo contrário, ofereceu pizza de desculpas à população. Não foi a fita quem fez o crime. Foi o crime quem fez a fita.
Num livro ainda inédito no Brasil, o professor Alfred Stepan, da Universidade de Oxford, apresenta uma estatística comparativa do comportamento das polícias americana e paulista (na administração do governador Orestes Quércia).
Em 1990, na cidade de Chicago, para cada bandido que a polícia matava, feria três. Em São Paulo, para cada um que feria matava dois. Os números: 588 mortos e 251 feridos.
A santa fita mostrada pelo "Jornal Nacional" deveria levar o governador Mário Covas a refletir sobre o que vem a ser o "andamento em ordem" dos inquéritos de sua polícia. Sua dificuldade é bem outra. Nas palavras do "Rap das Armas", de Junior e Leonardo: "Estamos com um problema que é a realidade".

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