São Paulo, quarta-feira, 2 de abril de 1997
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'Selena' puxa invasão latina nos EUA

LEON CAKOFF
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Este promete ser o ano latino para Hollywood. Nos últimos 12 meses, vários recordes foram quebrados e uma importante descoberta foi feita: a de que uma fatia do mercado interno norte-americano "habla español".
Os números gerais são assombrosos: nunca se produziram filmes tão caros em Hollywood, com um custo médio de US$ 39,8 milhões por título, chegando-se a US$ 59,7 milhões com os custos de promoção e publicidade.
E nunca se foi tanto ao cinema nos Estados Unidos: a soma de 1,34 bilhão de ingressos vendidos no ano passado foi 6% maior que em 1995 e recorde desde 1959. O faturamento das salas, também recordista, foi de US$ 5,9 bilhões, um aumento significativo de 7,6% de um ano para outro.
E agora a surpresa maior: os hispânicos, com 13% da frequência, superaram o número de espectadores negros nos cinemas, com 11%, segundo pesquisa anunciada por Jack Valenti, presidente da Motion Pictures Association of America, na primeira semana de março, em Las Vegas.
(A grande maioria continua sendo branca, ocupando 70% das poltronas das salas americanas.)
Uma estratégia de marketing fez de "Selena" o segundo filme mais visto entre as estréias, só perdendo para a comédia de Tom Shadyac "Liar Liar", com o palhaço Jim Carrey.
Sorte ou azar do Brasil? O público brasileiro ainda não se identifica com o resto da América Latina, apesar das perspectivas comerciais oferecidas pelo Mercosul e do atual boom dos cursos de língua espanhola.
A julgar pela sorte dos filmes hispânicos ou de negros em nosso mercado, o público dos cinemas brasileiros é preconceituoso e racista. Os últimos de Spike Lee, quando muito, vão direto para o mercado de vídeo. Sorte igual foi reservada para o incendiário "Panther", de Mario e Melvin Van Peebles.
Marcos de Oliveira, diretor-geral da Fox-Warner do Brasil, está otimista com o futuro da expansão do mercado hispânico. Está em suas mãos a decisão de incluir o território brasileiro no circuito latino-americano de "Selena".
Ele diz acreditar na integração dos mercados latinos e que o Brasil não pode fugir desta realidade: "É positiva a tendência de Hollywood voltar a ter sotaques latinos, e isso pode beneficiar também o cinema brasileiro".
Quanto a "Selena", Oliveira afirma que "não se pode esquecer que tem também Jennifer Lopez (atriz de origem porto-riquenha) no papel-título, o que aumenta suas chances de êxito".
Além de Lopez, "Selena" pode fisgar o espectador por sua original sonoridade "tex-mex" -ou "tejano"-, gênero do qual a jovem americana-mexicana Selena foi incontestável rainha até ser assassinada pela presidente do seu fã-clube, há dois anos.
Selena estava no auge da carreira, aos 23 anos, e finalmente havia consolidado o seu estilo, rompendo preconceitos dos dois lados da fronteira norte-americana.
Ao liderar a banda familiar como cantora em 1981, sob o severo controle paterno, Selena era apenas uma menina de oito anos, e seu grupo Los Dinos não tinha onde tocar.
Em Corpus Christi, no Texas, onde Selena Quintanilla Perez nasceu, os clubes mexicanos consideravam Los Dinos americanizados ou "norteños" demais.
E os clubes norte-americanos os recusavam sob o pretexto de serem mexicanos ou "south texan singers" demais.
Selena precisou morrer para merecer definições simpáticas sobre o seu gênero.
Segundo a reportagem de capa da última revista "Time", para entender o seu ritmo é preciso misturar polca alemã, ranchera mexicana, country e pop americanos, mais reggae e a cumbia colombiana.
Segundo o jornal "The New York Times", seu estilo dançante tem enorme charme e vitalidade.
Mito e marketing fazem de Selena um bom teste para o mercado cultural.
Era a celebridade morta que faltava no segmento latino para ingressar no clube de James Dean, Elvis Presley, Marilyn Monroe e... do também hispânico Ritchie "La Bamba" Valens.
Paralelamente à agressiva campanha de lançamento promovido pela Time Warner americana, a latinização do mercado cultural americano conta com a adesão do conglomerado gastronômico General Mills e da rede de lanchonetes Taco Bell, de inconfundível sabor tex-mex, por meio do seu apêndice bancário, a rede Bank One. A rede promove o filme nos seus bancos e vai trazer a imagem da cantora em seus cheques.
Com um outro tipo de marketing, Abraham Quintanilla, o pai-empresário, pensa no faturamento extra dos oito CDs gravados por Selena com o resto da família, nos direitos autorais do filme e na rede de butiques integradas a salões de beleza que começa a abrir em nome da filha santificada.
No mundo dos negócios americanos, uma fatia nada desprezível de 13% de mercado deverá surpreender ainda muito espanhol.

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