São Paulo, sexta-feira, 4 de abril de 1997
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O doleiro dos doleiros

LUÍS NASSIF

Dentro do mercado paralelo de dólares há a figura do "clearing" -ou doleiro dos doleiros.
O mercado funciona de maneira semelhante ao jogo de bicho ou mercado de seguros. Na linha de frente tem uma infinidade de doleiros, com clientes para vender e para comprar dólares. Há doleiros que têm mais clientes na ponta de compra, e outros com mais clientes na ponta de venda. E há doleiros que recebem propostas de compra de dólares muito superior à sua própria capacidade.
É aí que entram as "clearings". Cabe a elas receber os cheques de compra ou de venda de vários doleiros e efetuar a compensação.
Fechada em função do escândalo dos precatórios, a grande "clearing" do mercado era a Split Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários, de Enrico Picciotto.
O berço da Split foi a Spread Corretora de Mercadorias, fundada em 1987 por Picciotto e Rony Schaio. Em 1988 Piccioto sai e vai formar a DTVM Operador. Em 1992, sai da Operador e funda uma outra empresa. Em janeiro de 92, funda a Split.
Em maio de 1992 a Spread quebrou, dando um tombo de US$ 20 milhões na praça. Cria-se um vácuo que começa a ser ocupado pela Split, que abocanha todos os clientes da Spread. A partir de 1994, a Split passa a centralizar praticamente todas as grandes operações de câmbio.
Quando desapareceu, era o grande doleiro do mercado. Por isso que, quando quebrar o sigilo bancário da Split e do Banestado -como explica um grande especialista de câmbio de São Paulo- "vai sair cheque para todo lado".
CPI e mídia
Segundo relato da imprensa, na reunião de antes de ontem dos senadores da CPI dos Precatórios com o presidente da Casa, Antônio Carlos Magalhães, houve críticas aos encontros secretos de senadores com suspeitos. E chegou-se a um acordo de que todos esses encontros serão previamente comunicados aos demais senadores, e, depois, haverá relato sobre as informações levantadas.
Até agora, o relator Roberto Requião reuniu-se secretamente com o secretário da Fazenda de Santa Catarina, Paulo Paraíso; o senador Esperidião Amin, com os donos da Split; o senador Vilson Kleinubing, com diretores do Bradesco; o senador Eduardo Suplicy com alguns doleiros de São Paulo. Em todos os casos, provavelmente, com melhores resultados do que os shows de selvageria estéril em que se transformaram as sessões públicas da CPI.
A única reunião que não foi secreta -apenas reservada-, e seguiu todos os procedimentos agora recomendados pelo Senado, foi a ocorrida entre o dono do Banco Vetor com os senadores Roberto Requião e José Serra -tendo por testemunhas eu e a jornalista Mônica Bérgamo, da TV Bandeirantes.
Requião avisou antes a vários de seus pares. Nós avisamos nossas redações. Terminado o encontro, Requião reuniu-se com todos os senadores da CPI, em uma reunião fechada, não aberta à imprensa, para um relato pormenorizado do que aconteceu. Inclusive convidou-me a entrar na sala para ajudá-lo a expor o conteúdo da conversa. Só não participei do encontro por estar com viagem de volta marcada para São Paulo.
A reunião mencionada como censurável -obviamente pelos jornais não presentes ao encontro- foi justamente a única que seguiu todos os trâmites agora recomendados pelo presidente do Senado. É preciso explicar o porquê dessa marcação?
Não pretendo entrar nesse festival de mesquinharias. Apenas busco expor mais uma vez as vísceras dessa competição selvagem em que se transformou a cobertura da CPI dos Precatórios, como um elemento a mais no grande acerto de contas que está em processo, da imprensa consigo própria, para enterrar de vez esse estilo "Rambo" de jornalismo.
Continuo cada vez mais convencido de que é possível praticar jornalismo ético, eficaz e de qualidade, sem precisar "esquentar" notícias, chantagear senadores com ameaças ou suborná-los com notoriedade, atrás de notícias.
Bamerindus
A maneira como o Bamerindus enfrentou sua crise é uma página rara na história bancária e empresarial brasileira. Sendo seu presidente senador e amigo pessoal do presidente da República, e muitos de seus executivos principais líderes de poderosas associações de classe, em nenhum momento recorreram nem sequer a uma manobra que pudesse ser considerada ilegítima ou dúbia.

Email: lnassif@uol.com.br

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