São Paulo, sábado, 5 de abril de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Crumb" radiografa a insanidade da América

JOSÉ GERALDO COUTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Quem perdeu "Crumb", exibido no ano passado, tem hoje, no ciclo dos melhores de 96 do Cinesesc, uma segunda chance de ver esse que é um dos mais perturbadores documentários dos últimos tempos.
Centrado no controvertido cartunista norte-americano Robert Crumb -criador, entre outros, de Mr. Natural e Fritz, the Cat-, o filme foi dirigido por Terry Zwigoff, seu amigo e parceiro de música (os dois tocam juntos na banda de jazz The Cheap Suit Serenaders).
Produto totalmente marginal no cinema norte-americano, "Crumb" foi o vencedor do Sundance Festival, há dois anos. Demorou seis anos para ser concluído e custou míseros US$ 200 mil.
O que mais impressiona nesse documentário é a franqueza com que Crumb e sua família se expõem diante da câmera, como se ela não estivesse lá.
O irmão mais velho do artista, Charles -que se matou com uma overdose de remédios antes de o filme ficar pronto-, conta que nunca fez sexo na vida e que passa os dias em casa com a mãe, lendo romances do século 19 e tomando tranquilizantes.
O irmão mais novo, Max, que passa horas meditando sobre uma cama de pregos, narra como foi detido e internado depois de ter um ataque epiléptico ao assediar uma garota.
O próprio Robert Crumb diz que era espancado pelo pai na infância e que tem tara por pés femininos.
Descrito dessa maneira, "Crumb" parece um filme sensacionalista sobre uma família bizarra. Mas o grande mérito do documentário é mostrar como essa família não é um caso à parte. Pelo contrário: é uma espécie de concentrado da loucura americana.
Nenhum artista contemporâneo expressou essa loucura de modo tão corajoso e original quanto Robert Crumb em seus cartuns selvagens, obscenos, radicais -e isso o filme demonstra de modo cabal.
Mostra também um Crumb absolutamente "outsider" em relação ao próprio movimento "underground" que tentou abarcá-lo e com o qual ele teve sua imagem associada desde os anos 60.
Reveladoras, nesse sentido, são as declarações do cartunista de que detesta rock e de que a célebre capa do disco "Cheap Thrills" (1968), de Janis Joplin, resultou de uma apropriação indébita de um desenho seu, pelo qual não recebeu nada.
Crumb vai ainda mais longe: diz que recebeu um convite para fazer a capa de um álbum dos Rolling Stones e recusou. Por essas e outras, Robert Crumb merece ser visto como um artista independente e íntegro como poucos.
Considerado pela maioria conservadora norte-americana "um pervertido que faz desenhos pornográficos", Crumb influenciou gerações de cartunistas e ilustradores em todo o mundo (no Brasil, Angeli é o exemplo mais célebre) e conquistou o respeito da crítica de arte "séria".
"Crumb", o filme, mostra o laboratório de horrores em que se forjou essa trajetória artística singular.
Em tempo: Robert Crumb vive hoje discretamente com sua mulher, no sul da França. Não fala uma palavra de francês. Suas histórias em quadrinhos, publicadas por uma editora de Amsterdã, continuam versando sobre o terrível e divertido universo de sua infância e juventude.

Filme: Crumb
Produção: EUA, 1995
Direção: Terry Zwigoff
Onde: Cinesesc (só hoje, às 15h, 17h10, 19h20 e 21h30)

Texto Anterior: BAT-HISTÓRIA
Próximo Texto: Guia da Folha SP
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.