São Paulo, domingo, 6 de abril de 1997
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Faltam credores em SP

CELSO PINTO

Um ambicioso e complexo esquema montado pelo Estado de São Paulo para liquidar sua dívida com o setor privado pode sofrer uma radical transformação por uma razão surpreendente: a falta de credores.
São Paulo criou a Companhia Paulista de Ativos (CPA), uma entidade com uma única finalidade: reunir R$ 15 bilhões em ativos do governo, de um lado, e com eles pagar um valor equivalente de dívidas do Estado com empreiteiros, fornecedores e precatórios (dívidas que a Justiça obriga a pagar).
Como a previsão é que levaria alguns anos para São Paulo vender os ativos, bolou-se uma forma de antecipar os recursos. A CPA emitiria debêntures lastreadas nestes ativos. Os credores poderiam trocar seus débitos atrasados pelas debêntures, em leilões, provavelmente tendo que aceitar um deságio sobre o valor original da dívida. Em compensação, poderiam usar as debêntures como moedas na privatização dos ativos do Estado.
O governo supunha que havia até R$ 4,5 bilhões em dívidas atrasadas para fornecedores e empreiteiros, que correriam para a CPA. Além disso, neste ano estão vencendo R$ 3,8 bilhões em precatórios referentes a 1994 e o governo estima que existam mais uns R$ 2 bilhões de precatórios a pagar. Os próprios donos de precatórios calculam o valor da dívida em até R$ 10 bilhões.
Pois bem, de toda esta montanha de dívida, até agora os pedidos de consolidação de dívidas para usar na CPA somam apenas R$ 1,5 bilhão, do qual apenas R$ 144 milhões foram aprovados (mas ainda dependem do OK final da Fazenda). Todas as dívidas que apareceram até agora são de fornecedores e empreiteiros. Não surgiu um único centavo de precatório.
Do lado dos ativos, por outro lado, a CPA já integralizou R$ 1,8 bilhão de capital (do total autorizado de R$ 15 bilhões), com 25% das ações da Sabesp e outros ativos. A CPA poderá ficar com todas as ações que excederem 51% do capital das empresas estaduais, além de outros ativos.
O presidente da CPA, Adroaldo Moura da Silva, diz que apenas as ações que poderá dispor da Sabesp podem valer uns R$ 3 bilhões. As ações da Sabesp, que hoje são negociadas apenas no mercado de balcão, tiveram uma valorização espetacular: saltaram de R$ 30 para R$ 200 em um ano e Adroaldo diz que ainda estão muito aquém de seu valor potencial. Outras estaduais também se valorizaram com as reestruturações. Somando tudo, Adroaldo tem certeza que a CPA poderá juntar até mais do que R$ 15 bilhões em ativos de boa qualidade.
Só que as dívidas não estão aparecendo, por várias razões. A consolidação é um processo complexo que exige a plena comprovação da dívida. Quando ela é consolidada, o credor renuncia a qualquer disputa futura sobre ela. Adroaldo diz que muitos credores estão descobrindo que têm direito a bem menos do que imaginavam. Os grandes credores de precatórios, por sua vez, preferem esperar na fila de pagamento, porque sabem que acabarão recebendo e pelo valor integral, sem deságios.
Moral da história: Adroaldo acha que o total das dívidas consolidadas acabará sendo uma fração do que se supunha. Nesse caso, para quê emitir debêntures? Ele acha que mais simples seria vender alguns ativos em leilões na Bolsa e usar o dinheiro para pagar direto, via leilões, devedores habilitados.
Uma data limite seria fixada para a consolidação, talvez outubro. Se tiver, até lá, por exemplo, R$ 500 milhões em dívidas consolidadas, ele faria alguns leilões na Bolsa. Cada credor diria por quanto aceitaria receber seu débito e ganharia quem oferecesse o maior deságio. Só que, se o total da dívida for tão pequeno e os ativos tão bons, é bem possível que simplesmente não seja preciso oferecer deságio para receber a dívida.
Nesse cenário, sobraria dinheiro na CPA. Um destino nobre seria transferi-lo para o Tesouro estadual pagar as dívidas não consolidadas, como os precatórios. Certamente haveria a tentação para usos menos nobres.
Ainda que este acabe sendo o futuro da CPA, Adroaldo diz que a empresa terá cumprido duas tarefas importantes: organizar os ativos paulistas e sua venda, de um lado, e as dívidas realmente devidas, de outro.

E-mail: CelPinto@uol.com.br

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