São Paulo, domingo, 6 de abril de 1997
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Salvador tem cursinho só para negros

LUIZ FRANCISCO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM SALVADOR

Uma entidade sem fins lucrativos de Salvador (BA) resolveu apostar em um projeto educacional para aumentar o número de negros nas universidades.
Fundada há cinco anos por um grupo de estudantes, a Cooperativa Educacional Steve Biko oferece curso pré-vestibular só para estudantes negros com renda máxima de três salários mínimos (R$ 336).
Pesquisa realizada pela Steve Biko revela que apenas 4% dos alunos que frequentam as principais universidades localizadas na região metropolitana de Salvador são negros.
Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 95 mostram que a região metropolitana da capital baiana possui 2.208.438 habitantes que se classificaram como pretos ou pardos. Há 530.079 que se consideram brancos.
Nos últimos três anos, cerca de 80 alunos (25 somente em dezembro e janeiro passados) que frequentaram a cooperativa foram aprovados no vestibular. "Nosso índice de aprovação é excelente porque matriculamos apenas 80 alunos por ano", disse a coordenadora executiva da Steve Biko, Maria Durvalina Cerqueira.
Steve Biko foi um militante contra o apartheid na África do Sul. Antes de morrer, Biko foi torturado e submetido a um interrogatório que durou 22 horas, por sua atuação pela liberdade no país.
No início deste ano, cerca de 250 alunos candidataram-se às 80 vagas oferecidas pela cooperativa. Com a oferta maior do que a demanda, os coordenadores pedagógicos da Steve Biko selecionaram os "aprovados" por intermédio de um curso de nivelamento.
Realizado em 45 dias, o curso de nivelamento contém aulas de matemática, inglês, redação e língua portuguesa. "Após esse curso, selecionamos os candidatos que consideramos mais aptos no momento para frequentar o cursinho", disse Maria Durvalina Cerqueira.
Preços
Para se inscrever na Steve Biko, os candidatos pagam uma taxa de R$ 5. Os aprovados no curso de nivelamento desembolsam 40% do salário mínimo por mês para frequentar as aulas. Nos cursinhos tradicionais da capital baiana, o valor da mensalidade oscila de R$ 150 a R$ 200.
"Se não fosse essa cooperativa, jamais poderia sonhar em frequentar uma universidade", disse o comerciante Hugo Andrade dos Reis, 31. Segundo a coordenadora pedagógica da Steve Biko, Rosania Amorim, a faixa etária dos estudantes que procuram a cooperativa é 25 anos. "Todos frequentaram escola pública e não estudam há pelo menos quatro anos."
Além das disciplinas regulares exigidas nos vestibulares, os alunos que frequentam a Cooperativa Educacional Steve Biko têm aulas de cidadania e constituição negra. "Essa disciplina é muito importante para resgatar a auto-estima dos alunos", disse Rosania Amorim.
Os 13 professores da Steve Biko são voluntários e recebem apenas uma ajuda de custo -R$ 5 por hora/aula, além do vale-transporte. "Tive muitas dificuldades para chegar à universidade e resolvi encarar esse desafio para ajudar o desenvolvimento da cultura negra", disse o professor de língua portuguesa e redação, Ivo Ferreira. Assim como os alunos, todos os professores da Cooperativa Educacional Steve Biko são negros.
Além dos professores, a cooperativa tem mais oito funcionários -cinco coordenadores, duas secretárias e um responsável pela execução dos serviços gerais. As aulas na Steve Biko são realizadas entre segunda e sexta-feira, das 19h às 22h30. Aos sábados, as aulas acontecem entre 14h e 17h30. Os módulos (apostilas com o conteúdo das disciplinas) são fornecidos à cooperativa a preço de custo por um outro cursinho de Salvador.

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