São Paulo, domingo, 6 de abril de 1997
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Londres transforma a rebeldia em lucro

PAULO HENRIQUE BRAGA
DE LONDRES

"A cena rave é o primeiro passo para o despertar. Você dança horas ao som de percussão tribal xamânica. Isso limpa a sua cabeça de todo o condicionamento e sua mente é aberta. Então você tem de reprogramá-la com uma filosofia diferente."
As palavras são de Fraser Clark, um ex-hippie que viu no formato tecno uma versão tecnologicamente atualizada da rebeldia dos anos 60.
Clark é citado pelo jornalista britânico Michael Collin em seu livro "Altered State - The Story of Ecstasy Culture and Acid House" (Estado Alterado - A História da Cultura do Ecstasy e da Acid House), lançado no mês passado em Londres.
Ao contrário da visão de Clark, Collin conta no livro a história da associação entre música dançante e Ecstasy mostrando que, neste caso, não há motivações políticas nem a pretensão de "expandir a mente".
"A cena de acid house foi concebida na região sul de Londres, suburbana e operária, por clubbers, fãs de futebol, DJs e uns poucos boêmios em um ambiente econômico cada vez mais severo e um clima social antipático à política."
Para Collin, editor internacional da revista "Time Out", tomar drogas, por sua vez, tinha mais a ver com "hedonismo, férias em um estado alterado".
Um indício claro da aceitação da cultura tecno pelo establishment é o aspecto empresarial e profissional presente hoje nos festivais de dance music.
O maior deles, o Tribal Gathering, espera reunir 35 mil pessoas em uma propriedade perto de Londres no dia 25 de maio.
Serão dez palcos diferentes, com alguns dos principais nomes da dance music atual. A atração principal são os alemães do Kraftwerk, pioneiros no uso de instrumentos eletrônicos na música pop.
Também participam, entre outros, Orbital, Daft Punk, Audioweb, Gus Gus, Ganja Kru e Roni Size.
Nada parecido com a improvisação dos furgões ou com o temor de que a polícia acabasse com a festa, como no início dos anos 90.
Na época, as raves eram organizadas por grupos que colocavam seu sistema de som dentro de um furgão e saíam pelo interior da Inglaterra em busca de um galpão abandonado, onde tocavam, de graça, às vezes por dias seguidos.
As festas ilegais do início dos anos 90, muitas vezes encerradas com violência pela polícia, foram a última semelhança que se poderia encontrar entre a cultura tecno e os "rebeldes" anos 60.
Hoje, os símbolos do universo da house music se tornaram "mainstream". A batida das raves pode ser ouvida em comerciais de TV, junto com roupas coloridas e cenários psicodélicos.
No ano passado, o Departamento de Turismo lançou uma campanha citando como principais atrações do país o grupo de rock Oasis e o circuito de dance music.
Em 1993, analistas financeiros já haviam avaliado o mercado potencial de dance music no Reino Unido em cerca de US$ 3 bilhões.
A morte da adolescente Leah Betts, no final de 1995, gerou uma campanha contra o consumo de Ecstasy (droga sintética que libera no cérebro a produção de serotonina e de dopamina, duas substâncias neurotransmissoras, que controlam a transmissão de mensagens entre neurônios), liderada por seus pais, mas, tragicamente, confirmou a chegada dos símbolos da cultura tecno ao universo do cidadão médio.
Betts era uma garota suburbana que tomou Ecstasy na festa de seu aniversário de 18 anos. A pílula foi dada por uma amiga.
A adolescente entrou em coma e morreu dias depois.
Uma propaganda oficial, que vem sendo veiculada nas principais revistas jovens do Reino Unido nos últimos meses, alerta para os riscos de consumo do Ecstasy e da combinação da pílula com outras drogas, como LSD, anfetaminas e álcool.
Origem O formato Ecstasy e house music se consolidou em Londres no final da década de 80, quando um grupo de jovens trouxe do balneário espanhol de Ibiza a combinação da música dançante -bateria eletrônica e baixo pulsante- com a droga.
Diferentemente da combinação música e droga dos anos 60, porém, a nova receita se baseava em um som que empregava alta tecnologia e um alucinógeno sem os rituais ocultos de preparação nem a carga depressiva de agulhas, rostos magros e marginalidade explícita. Para embarcar na viagem, bastava engolir uma pílula e dançar a noite inteira.

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