São Paulo, terça-feira, 8 de abril de 1997
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A MIRAGEM DO REAL

Aumentou o nervosismo na área política do governo.
Descontados os aspectos emocionais ou mesmo folclóricos da bronca dada pelo ministro Sérgio Motta no presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer, a impressão que fica é a de que o governo enfrenta dificuldades para avançar no encaminhamento das reformas administrativa e previdenciária.
Esse aumento da temperatura nos bastidores da política, num momento em que se aguardam também mudanças ministeriais, mais uma vez coloca a nu a ligação vital e crítica entre ajuste fiscal e apoio político.
O governo FHC não padece de lacunas na capacidade de diagnóstico dos problemas estruturais das contas públicas brasileiras. Aliás, pode-se mesmo dizer que as análises tucanas estão entre as mais bem elaboradas tecnicamente.
Também é inegável que esse governo já tomou algumas iniciativas importantes, principalmente no campo dos chamados "esqueletos". Isto é, dívidas antigas, muitas acumuladas por instituições do próprio setor público, estão aos poucos sendo reconhecidas e reestruturadas.
Mas o desafio primordial de um governo comprometido a fazer a lição de casa e colocar suas contas em ordem não é o de elaborar um bom diagnóstico ou reconhecer os problemas -ainda que, evidentemente, esses passos sejam necessários.
Difícil mesmo é agir, sobretudo agir em tempo. O aumento da dívida pública, interna e externa, pode converter-se em bomba-relógio se o ajuste fiscal não ocorrer ou ocorrer muito lentamente.
Sabe-se bem, entretanto, que os grandes obstáculos ao ajuste das contas públicas são de natureza política, como ilustram as rusgas entre Executivo e Legislativo sempre que se trata de cortar gastos.
Ao contrário, a prorrogação do Fundo de Estabilização Fiscal (FEF), o recurso à CPMF e os aumentos de tarifas -esforços no sentido do aumento da carga impositiva, em suma- é que têm caracterizado o "ajuste" nas contas da União.
Peca-se ao buscar a imposição de mais sacrifícios à sociedade e, também, ao usar instrumentos de ajuste casuísticos e temporários, sem criar um horizonte confiável de longo prazo para as contas públicas.
Atuar sobre as despesas significa incomodar grupos políticos e acelerar as reformas. Apressar a privatização também incomoda.
Pois é nesse terreno, o da ação concreta, que o governo FHC menos trunfos tem a exibir.
Agora, o governo parece finalmente reconhecer que a trajetória de desequilíbrios crescentes no comércio exterior não é aceitável. Como não se são cogitadas alterações na política cambial, a equipe econômica busca alternativas, restringindo importações e estimulando exportações. A contenção do crescimento é outra opção que o governo já não descarta.
Se de fato houver uma redução no crescimento econômico, a arrecadação de impostos pode sofrer. Ou seja, há uma relação entre os desequilíbrios básicos do Plano Real, nas contas públicas e no comércio exterior.
As resistências políticas às reformas e à privatização são o nó górdio que precisa ser desatado para que esses desequilíbrios econômicos fundamentais possam ser corrigidos.
Infelizmente, o governo não vem dando mostras de capacidade para enfrentar com a devida rapidez essas barreiras políticas ao saneamento das contas públicas.
Isso não significa que o governo FHC não tenha base de sustentação no Congresso. Era isso, ao menos, que parecia mostrar o "rolo compressor" pela emenda da reeleição.
Contudo, mais rapidamente do que se poderia imaginar, as dificuldades políticas de levar adiante o ajuste fiscal mostram-se crescentes.
Os economistas que participaram da elaboração e implementação do Plano Real sempre argumentaram que, sob o regime de superinflação, o ajuste fiscal era inviável. E diziam que esse ajuste seria viável apenas depois da queda na inflação, precisamente porque a estabilidade de preços daria força ao presidente para fazer os cortes necessários.
Na prática, já se passaram quase três anos desde a introdução da nova moeda e o ajuste nas contas públicas continua sendo uma miragem.

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