São Paulo, sexta-feira, 11 de abril de 1997
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Política cultural ganha tratado

JOSÉ GERALDO COUTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Política e cultura são duas palavras que nem sempre se dão bem. Quando se juntam, na expressão "política cultural", geralmente o resultado é a sujeição pura e simples da segunda aos desígnios da primeira.
Para o professor de comunicação José Teixeira Coelho Neto, da USP, entretanto, a política cultural é muito mais que "um amontoado de medidas e leis que são adotadas sem que haja uma relação clara entre elas". É uma "ciência da organização das estruturas culturais".
Com o objetivo de organizar o conhecimento dessa ciência e torná-lo acessível aos não especialistas, Teixeira está publicando um volume alentado e ambicioso: o "Dicionário Crítico de Política Cultural".
"A política cultural é tão antiga quanto o primeiro espetáculo de teatro para o qual foi necessário obter uma autorização prévia, contratar atores ou cobrar o ingresso", diz Teixeira logo na primeira frase da introdução de seu dicionário.
O livro, lançado pela Iluminuras, traz verbetes extensos sobre temas tão amplos quanto "indústria cultural", lado a lado com o destrinchamento de palavrões como "psicagogia" ("processo de investigação da consciência e da vontade com o objetivo de reconhecerem-se determinadas disfunções ou desequilíbrios na elaboração simbólica de um indivíduo").
Cultura como sistema
Para Teixeira, raramente os governos, partidos e instituições que atuam na área da cultura pensam-na como "um sistema, que envolve a produção, a distribuição, a troca e o uso".
Um exemplo, segundo ele, é o das leis federais de incentivo ao cinema. "Elas têm facilitado enormemente a produção de filmes, mas descuidam da questão da distribuição e da exibição."
Segundo Teixeira, o objetivo básico de seu dicionário é mostrar que a política cultural é uma disciplina específica, embora esteja relacionada com inúmeras outras, que vão da sociologia à psicanálise, da semiótica à ciência política.
Mas ele não esconde a esperança de que o livro -o primeiro tratado sistemático do assunto publicado no Brasil- possa influenciar os formuladores de políticas culturais dos governos, partidos, entidades e empresas.
A política cultural dos governos (federal, estadual, municipal) é um dos alvos principais da crítica de Teixeira. "O que talvez não exista é a intenção do governo de encarar a cultura ao nível macro."
Para Teixeira, uma entidade privada como o Sesc (Serviço Social do Comércio) tem uma concepção mais clara da cultura como sistema global. "O Cinesesc, por exemplo, distribui, atua na troca e trabalha na fase do consumo, propiciando a incorporação do filme ao repertório do espectador", afirma.
Afeto é cultura
Um conceito que chama a atenção no dicionário -e que ganha um verbete específico- é o de "afetual", definido como "fenômeno psicológico marcado pelas emoções e sensações (de prazer, excitação, estimulação etc.)".
"Quem começou a dar atenção a isso foi o cinema americano. Os filmes americanos de massa buscam envolver emocional e fisicamente o espectador."
Para Teixeira, "uma política cultural que joga todas as fichas na experiência intelectual, abstrata, da cultura é uma política cultural incompleta".
Ele conclui que uma política cultural completa deve buscar não só o contato dos indivíduos com os "produtos culturais" já existentes, mas garantir seu acesso à prática e também à produção de cultura.
Visão multidisciplinar
A visão multidisciplinar que caracteriza o "Dicionário Crítico de Política Cultural" é a mesma que marca a trajetória de seu autor.
Aos 53 anos, há mais de 20 como professor na Escola de Comunicações e Artes da USP, Teixeira Coelho tem livros publicados sobre os mais variados assuntos, do teatro à arquitetura, da semiótica às utopias artísticas.
É autor também de quatro romances, os dois últimos em parceria com o crítico Jean-Claude Bernardet, também professor da ECA.

Livro: Dicionário Crítico de Política Cultural
Autor: Teixeira Coelho
Lançamento: Iluminuras
Quanto: R$ 30 (384 págs.)

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