São Paulo, sexta-feira, 11 de abril de 1997
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Neobobo e boboca

JOSÉ SARNEY

Não sei por que essa grita geral contra o presidente Fernando Henrique por causa do neologismo de "neobobismo". Afinal, o neobobo deve ser um bobo moderno, em contradição com o bobo só bobo, que é o bobo arcaico.
Não chamou de neoboboca porque, aí sim, a liturgia do cargo não permitia. Veja-se o exemplo do neoliberal. O que é um neoliberal? É um liberal que se vestiu de roupa nova e, portanto, está apto a ter melhor tratamento do que um liberal, só liberal. Assim, o neobobo é melhor do que o bobo.
O presidente, aliás, tem recusado sempre esse tratamento de neoliberal, por não aceitá-lo, porque nunca o foi. E definiu claramente sua posição, autodenominando-se de "neo-social".
Em política, as palavras são essenciais porque representam 80% da ação. Elas inclusive mudam de país para país na visão conceitual.
Outro dia, por exemplo, eu ia dizendo que jamais fui um radical e sempre um homem de diálogo quando me lembrei que, na Argentina, onde eu estava, radical é filiado a um partido de mais de cem anos, o Partido Radical, que nada tem de radical, pois é até tido como conciliador. Nos Estados Unidos, liberal era comunista e como o comunista desapareceu, liberal é um ex-comunista, aceitador de todas as coisas que vão da legalização do aborto, da maconha até o hambúrguer misturado com calda de chocolate.
Nosso presidente Fernando Henrique gosta, com efeito, de neologismos. Assim, quando quis reformar a Constituição, não disse que ia reformá-la e, sim, flexibilizá-la.
E aí saiu uma onda de flexibilização. Flexibilizamos as telecomunicações, o petróleo, os portos etc. Quando começaram a falar demais, ele não deixou por menos, e veio o "nhenhenhém", que é tupi, dicionarizado como blablablá e que tomou ares de conceito político, isto é, discussão inútil, palavreado vazio, oposição de pastel de vento.
O presidente Geisel também gostava de palavras novas para velhos conceitos. Assim, em vez de redemocratização, falou de abertura e distensão, acrescentando logo "lenta, gradual e segura".
Há, também, os políticos que gostam de liquidar as coisas de modo proverbial. É como o governador Covas, que simplificou e definiu a brutalidade de Diadema com uma frase: "A violência policial é um problema cultural". Disse e pronto. Está tudo explicado.
Mas o melhor mesmo para buscar palavras que digam o que se pensa dizer é um livro publicado por um tipo popular do Maranhão, o comendador Satyro, um dicionário com o título de "Embófias de um Cérebro Ilustrado", que fez um sucesso danado. Polêmica ele definiu como "metrandação cerebral", festa de 15 anos é "spiquitó" ou "anatalicio de donzela moça". Política é "rega-bofe de anacoretas".
A verdade, portanto, é que o neobobismo não é uma coisa que se possa desprezar como mero desabafo para ofender adversários. O bobismo e o neobobo parecem-me uma nova teoria do Norberto Bobbio, o grande cientista político, autor de tantos livros -neobobbionismo.
Seria, assim, um conceito mais erudito e não esse que a imprensa irreverente publica. O motivo é o Bobbio ser o bobo que disse que ninguém sabia o que era social-democracia.
O neobobo, então, é um bobo que não é boboca. Entende?

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