São Paulo, domingo, 13 de abril de 1997
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Cientologia abre guerra de informação

RUSS BAKER
DA "GEORGE"

Helmut Kohl pode ser o chanceler da Alemanha, mas não está acostumado a receber correspondência de pessoas como Dustin Hoffman. Apesar disso, na edição de 9 de janeiro do "International Herald Tribune", foi alvo de carta aberta assinada por Hoffman e 33 outras figuras, tais quais a atriz Goldie Hawn, o diretor Oliver Stone, o apresentador de televisão Larry King, o produtor Aaron Spelling, o executivo da Warner Terry Semel e o escritor Gore Vidal.
Eles expressaram sua preocupação com recentes acontecimentos da Alemanha. Evocando Adolf Hitler e os "indizíveis horrores" do Holocausto, indagaram se os herdeiros do amargo legado do Terceiro Reich não estariam, mais uma vez, seguindo um caminho potencialmente trágico.
Desta vez, porém, segundo a carta, as vítimas não são judias. São integrantes de um grupo controverso e pouco compreendido, a Igreja da Cientologia. Protestando contra "a ofensiva discriminação praticada contra os cientologistas", a carta concluiu: "Essa opressão organizada está começando a soar familiar, como a Alemanha de 1936, em lugar de 1996".
Bertram Fields, o poderoso advogado de Hollywood que redigiu a carta, pediu as assinaturas e pagou US$ 56,7 mil com seu próprio dinheiro pelo espaço publicitário no jornal. Fields, que já representou Dustin Hoffman, Michael Jackson e Warren Beatty, diz que teve a idéia de publicar a carta quando ficou sabendo que um grupo de jovens alemães estava promovendo um boicote ao filme "Missão Impossível", no verão de 1996, porque seu protagonista, Tom Cruise, é cientologista.
Não está claro até que ponto os signatários da carta, 12 dos quais são clientes atuais de Bertram Fields, conheciam a Cientologia, a posição da Alemanha em relação ao grupo ou até mesmo o conteúdo da carta. Em Hollywood, é prática corriqueira pedir a amigos que subscrevam uma causa sem mesmo saberem do que se trata (o cineasta Constantin Costa-Gavras retirou publicamente seu nome de uma carta depois de fazer uma "leitura mais cuidadosa").
Não há dúvida de que a Cientologia não está prestes a ganhar nenhum concurso de popularidade na Alemanha. Um alerta contra a organização foi tocado na Europa e pode soar estranho à maioria dos americanos, que sabem pouco sobre a igreja fundada nos EUA pelo escritor de ficção científica L. Ron Hubbard, morto em 1986.
O consenso generalizado na Alemanha é que a Igreja da Cientologia utiliza a religião para mascarar um movimento perigoso, semelhante a uma seita e que, ao que tudo indica, envolve dinheiro.
As autoridades alemãs reagiram às acusações da carta aberta com ataque recíproco, afirmando que a Cientologia encerra semelhanças com movimentos políticos radicais do passado alemão, tais como o nazismo e o comunismo.
Empresa, médico, igreja
A preocupação com a Cientologia começou a ser expressada na Alemanha no início dos anos 80 pelas igrejas Luterana e Católica, que haviam recebido algumas queixas de fiéis preocupados com o envolvimento de seus familiares com a Cientologia.
Alguns ex-cientologistas também disseram que o grupo os havia coagido a entregar grandes somas de dinheiro. No final dos anos 80, a intranquilidade virou alarme total quando o autodescrito movimento espiritual começou a aparecer cada vez mais frequentemente em contextos comerciais, fato que os críticos vêem como sinal do expansionismo típico de seitas.
"Na parte da manhã, é uma empresa", diz o deputado alemão Freimut Duve. "Ao meio-dia, é um médico que trata dos problemas psicológicos das pessoas e, à noite, é uma igreja."
Vários Estados alemães, entre eles Hamburgo, Berlim e Baviera, começaram a investigar queixas sobre imobiliárias agressivas que supostamente intimidavam locatários e abusavam de seus funcionários. Eram firmas cujos proprietários estariam supostamente promovendo a Igreja da Cientologia e fazendo doações substanciais a ela.
Embora as investigações tenham revelado atividades impróprias e, em alguns casos, ilegais -como sonegação de impostos-, não resultaram em provas suficientes para comprovar que a organização praticava fraudes ou extorsões de maneira sistemática.
As autoridades começaram então a adotar medidas para bloquear sua influência. Algumas dessas medidas, uma das quais foi a distribuição de folhetos aconselhando os escolares a manter distância do grupo, suscitaram amplas controvérsias.
O Estado da Baviera chamou a atenção mundial em novembro, quando lançou um decreto exigindo que todo candidato a um cargo no funcionalismo público preencha um questionário detalhando quaisquer ligações que pudesse ter com a Cientologia.
Independentemente de seu compromisso com a Cientologia, alguns membros alemães já foram alvos de discriminação -perderam seus empregos, viram suas contas bancárias ser fechadas e seus filhos, expulsos de escolas.
Cartas como a que Monika Wieneke recebeu em 1987 podem fazer a pessoa querer deixar a Alemanha: a escola católica de suas filhas dizia não ter sido informada de que Wieneke pertencia à Cientologia, para, em seguida, dizer que lamentava informá-la de que as meninas não mais seriam autorizadas a assistir às aulas. Hoje, Wieneke é pastora cientologista na Flórida.
Problemas para Gore Vidal
"A carta aberta me causou problemas sem fim na Alemanha", diz o escritor Gore Vidal, suspirando. "Meu advogado me levou a crer que se tratava de um gesto a favor das liberdades civis, não de aprovação da Cientologia enquanto religião ou esquema para ganhar dinheiro por meios duvidosos. Eu, pessoalmente, a vejo como a segunda alternativa, mas não sou autoridade no assunto."
Vidal diz que concordou em assinar a carta quando lhe disseram que os filhos de cientologistas estavam sendo impedidos de frequentar escolas. Ele conheceu Hubbard nos anos 50, quando a Cientologia dava os primeiros passos. "Ele exalava maldade e estupidez", diz o romancista histórico, "mas era muito simpático para conversar."
Embora não esteja claro se a campanha publicitária teve efeito, a Cientologia conseguiu uma vitória importante em janeiro, quando o Departamento de Estado dos EUA, em seu relatório anual sobre direitos humanos, citou em termos neutros as medidas tomadas contra a Cientologia na Alemanha.

LEIA MAIS sobre a Cientologia às págs. 26, 27 e 28

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