São Paulo, domingo, 13 de abril de 1997
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Comidas de 'hombre'

XICO SÁ

É inexplicável, mas existem alguns pratos nos tristes trópicos que afugentam, enxotam, provocam "args" ininterruptos na grande maioria das mulheres.
Elas levam as mãos aos olhos, gritam ao estilo Munch, beiram a náusea, a gastura.
É o caso, por exemplo, da buchada-de-bode, do chambaril, da mão-de-vaca, sarapatel, dobradinha ou até mesmo da civilizadíssima rabada. Nem todo homem encara esse mundo da "sustança" e isso os diminui perante os deuses.
Somente os que têm bom gosto e levam a vida assim mezzo Red Hot Chilli Peppers mezzo Jackson do Pandeiro sabem o prazer da perversão culinária, da malagueta que limpa a voz e dilata os brônquios.
Mesmo nesse mundo chato onde tudo o que a gente gosta é imoral ou engorda, a cidade de São Paulo, felizmente, mantém uma boa oferta dessa cozinha dita pesada.
Agora, com a aproximação do frio, quem sabe o cavalheiro não consegue convencer a sua moça a provar, pelo menos, um sarapatel, a sofisticada combinação de miúdos bem picadinhos -fígado, coração e, em alguns casos, um pouco de tripa.
Para iniciá-la em uma buchada-de-bode, recomenda-se cautela. Há muito preconceito. O mais artesanal dos pratos da culinária brasileira espanta talvez pelo nome, pois embute uma violência sonora que não corresponde ao seu conteúdo.
Demora-se quase um dia para preparar uma boa buchada, feita também à base de miúdos (de bode ou carneiro). As melhores vêm acompanhadas da cabeça do caprino, da qual se extrai carne e tutano. Vai bem com cerveja ou com um destilado.
Não se sabe ao certo a origem desse prato. Desconfia-se que, a exemplo da feijoada, tenha nascido da necessidade da senzala aproveitar as sobras dos açougues da casa-grande.
Na campanha eleitoral, FHC, depois de ingerir farta quantidade desse prato, disse que havia comido a mesma coisa em Paris. O presidente se referia a tripa à moda de Caiena, que também é bom, ora, mas não passa de uma espécie de sub-dobradinha.
Folclore à parte, você vai se sentir muito mais homem durante o banzo pós-buchada. E olhe que estamos falando apenas de felicidade, auto-estima, coisas d'alma. Chega de ilusórias propriedades afrodisíacas. Vamos comer em paz.

Dona Felicidade. R. Tito, 21, Vila Romana, zona oeste, tel. 864-3866. Segunda a sexta: 11h/1h. Sábado: 11h/20h. Le Bistro Cocagne. R. Guarará, 329, Jardim Paulistano, zona oeste, tel. 885-6453. Segunda a sábado: 12h/15h e 19h/1h.

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