São Paulo, segunda-feira, 14 de abril de 1997
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Herreweghe conduz Collegium em SP

MARCELO MUSA CAVALLARI
DA REDAÇÃO

O regente belga Philippe Herreweghe traz para cantar obras de Bach em São Paulo o conjunto que formou com amigos quando era estudante de medicina nos anos 70.
A descrição caberia melhor a roqueiros, fazendo barulho na garagem. Na verdade, o Collegium Vocale de Gand, Bélgica, é um dos mais sofisticados grupos musicais da atualidade e Herreweghe uma espécie de menino-prodígio da interpretação histórica. Ele aprendeu música na escola, antes de ir para o conservatório. E é exatamente contra a tradição musical dos conservatórios que a escola da interpretação historicizante -com instrumentos e técnicas antigas- se formou.
Aluno de um colégio jesuíta de Gand, Herreweghe aprendeu a cantar na capela e a tocar órgão com o padre-mestre do coro. O órgão lhe deu o gosto pela música de Bach. O gregoriano lhe ensinou a cantar músicas que tem na palavra sua mola propulsora. Esse é o grande trunfo do maestro belga na música vocal.
Quando montou o Collegium Vocale tinha 20 anos e terminava o curso de medicina. O grupo era formado por amigos, quase todos moravam no mesmo quarteirão.
Herreweghe conhecia os discos do papa da interpretação antiga: Gustav Leonhardt. Esse e o outro monstro sagrado da escola, Nikolaus Harnoncourt, convidaram Herreweghe e o Collegium para participar da gravação integral das cantatas de Bach quando o ouviram interpretar a "Paixão Segundo São João" (que ele mostra hoje e na quarta no Cultura Artística; duas cantatas e a Missa BWV 234 serão tocadas amanhã).
Foi aí que Herreweghe "percebeu-se profissional", como ele diz. Voltou ao conservatório, onde tinha estudado piano e do qual saíra oito anos antes, para aprender contraponto e harmonia.
Collegium Vocale já não tem só os amigos de Gand. Também já não é só Vocale. Por força do repertório, tomou formação orquestral, com especialização em Bach.
Herreweghe criou outros grupos com os quais experimenta-se num repertório que vai de seu conterrâneo renascentista Josquin Desprez aos contemporâneos Arnold Schoenberg e Kurt Weill.
A discussão sobre se uma autenticidade histórica na interpretação é possível, ou mesmo desejável, já não tem mais muito impacto.
O fato é que maestros como Herreweghe propuseram soluções que deram frescor ao repertório antigo. Em Bach, por exemplo, a idéia de que cada parte deve ser executada por um único instrumento é uma conquista da escola da interpretação historicizante.
Convenceu até gigantes da grande orquestra tradicional, como Georg Solti, que hoje ri de suas gravações dos concertos brandemburgueses com 60 músicos. Dá para fazer com nove instrumentistas. A idéia de que em música cantada o importante é a palavra empresta enorme clareza e eficácia à "Paixão" de Herreweghe.
A música vocal, no barroco, é retórica. Lugares-comuns, como escalas ascendentes para representar elevação, ou descidas cromáticas para imitar tristezar, são empregados por todos os compositores.
Herreweghe faz soar com limpidez a engenhosa combinação do valor expressivo com a função estrutural de cada passagem.
Mais do que um desejo de fazer soar o que Bach imaginava, o importante é fazer soar as possibilidades de significação da partitura. A tradição operística e das grandes salas de concerto se apropriou dessas partituras para reiterar sua própria retórica. Herreweghe, que continua um curioso, é um dos mais brilhantes leitores de outras possibilidades.

Concerto: Collegium Vocale com o maestro Philippe Herreweghe
Quando: hoje a qua., às 21h
Onde: teatro Cultura Artística (r. Nestor Pestana, 196, Consolação, tel. 256-0223) Quanto: R$ 50 a R$ 100; R$ 10 para estudantes, meia hora antes dos concertos

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