São Paulo, segunda-feira, 14 de abril de 1997 |
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TV rompe invisibilidade de abusos escabrosos
ESTHER HAMBURGER
A TV se revela especialmente permeável à expressão dessas expectativas latentes na sociedade. A linguagem da ficção, da propaganda comercial e da notícia entram em sinergia, criando um fluxo de sons, imagens e mensagens em torno de uma inquietação comum. As armas, o tiroteio e a tortura que inundam o espaço nobre expressam com força a perversa privatização da segurança que ameaça erodir o tecido social. As imagens dos abusos policiais em Diadema e na Cidade de Deus estão em consonância com a ação policial que se sente à vontade para invadir a seara da Justiça, tal como ela é apresentada em programas como "190 Urgente!", "Cidade Alerta" e "Na Rota do Crime". As imagens dos cinegrafistas amadores chamaram a propaganda de uma coleção completa sobre "o funcionamento, as técnicas e as práticas de tiro", novidade comercial veiculada nos intervalos do "Jornal Nacional". Por sua vez a oferta de armas entra em sintonia com a opção da justiceira do novo seriado da Globo por uma ONG especializada em combater bandidos, chefiada por uma ex-militante de esquerda. O Brasil se acostumou a pensar a si próprio como país pacífico. Talvez daí a relativa pouca importância a que os assuntos policiais foram relegados até há pouco nos telejornais. Talvez daí a marca de humor e irreverência que caracterizou a teledramaturgia nacional e que contrasta com a falta de tradição nas histórias de ação. Talvez daí também a carência da atividade investigativa da polícia, habituada ao primarismo da tortura. Todo esse movimento recente ilustra bem como a TV não pode ser culpada pela violência solta nos interstícios da sociedade. Há muito se sabe da expansão das empresas de segurança privada que atendem a população abastada, enquanto a população carente fica relegada à proteção das gangues. O rompimento da invisibilidade dos abusos escabrosos é necessário e bem-vindo, seja no entretenimento do seriado policial competente, seja nos telejornais e programas de opinião. Mas não é possível compactuar com o senso comum que questiona o monopólio da força como prerrogativa básica do Estado. É preciso resgatar e executar as propostas no Congresso Nacional e no Ministério Público que visam à erradicação do abuso e a restauração da autoridade policial. E-mail ehamb@uol.com.br Texto Anterior: "O Velho" não vê Prestes Próximo Texto: Três casos de deslocamento Índice |
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