São Paulo, segunda-feira, 14 de abril de 1997
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Salvemos o 2º turno

JOSÉ SERRA

A Comissão de Reforma Política do Senado acaba de aprovar uma proposta de mudança constitucional altamente inconveniente para o Brasil: a extinção dos dois turnos nas eleições para governadores e prefeitos. Trata-se de uma péssima sinalização a respeito do caráter efetivamente reformista da comissão.
Os dois turnos foram talvez a única inovação positiva da Constituição de 1988 em matéria política, pois, nesta área, infelizmente, a nova Carta só fez piorar ou confirmar o que os nossos sistemas político e eleitoral têm de pior. Qual sua justificativa essencial?
Precisamente, a de permitir que presidentes, governadores e prefeitos eleitos nunca expressassem uma minoria dos eleitores, eleitos com 30%, 20% ou até 15% dos votos. Lembram-se da tragédia do Chile? Houvesse lá o critério dos dois turnos na eleição de 1970, aquele país de tradição democrática jamais teria vivido a ditadura brutal de Pinochet.
Os argumentos da comissão atribuem aos dois turnos o papel de bode expiatório pelos defeitos do novo sistema político-eleitoral. Por exemplo, seriam responsáveis pela fragmentação dos partidos, estimulando a proliferação das legendas de aluguel e de paranóicos, que, candidatos na primeira volta, são alugados por algum dos finalistas na segunda volta.
Ora, com um turno só, também não desaparecerão nem os megalomaníacos nem os alugados -candidatos que, mediante estipêndio, dedicam-se a atazanar pela TV o candidato A em benefício do candidato B. O problema real não é o número dos turnos, mas a legislação partidária existente.
Atribuiu-se aos dois turnos o estímulo à corrupção eleitoral, face à compra de apoios pelos candidatos finalistas! Aqui, basta lembrar que: a) não houve nenhum aumento especial de corrupção devido a essa suposta circunstância; b) o custo fisiológico do governo eleito em minoria para obter maioria nas câmaras ou assembléias; c) a transferência de votos do primeiro para o segundo turno por parte de partidos e candidatos derrotados tem sido sempre pequena -esse fator, com o tempo, irá depreciando o valor do mercado da conquista dos novos apoios.
Alega-se, também, um suposto aumento exagerado de gastos de campanha. Isso, além de falso (quanto ao exagero), pode ser resolvido com uma simples alteração em lei ordinária, marcando-se a segunda volta para duas semanas depois da primeira.
Finalmente, pretende-se manter o segundo turno apenas para presidente, eliminando-o no caso de governadores e prefeitos. Como se os argumentos contrários acima resumidos valessem apenas nos níveis local e estadual!
Os dois turnos só foram aplicados duas vezes em cada esfera de governo. É pouquíssimo, como experiência, para obter conclusões definitivas. Além disso, o exame da proposta entupirá os trabalhos da reforma política, atrasando mudanças fundamentais, como a introdução do voto distrital misto. Vamos, pois, dedicar-nos ao essencial para o país e não às diferentes conveniências pessoais e partidárias para 1998.

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