São Paulo, sábado, 19 de abril de 1997
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Para Campos, FHC tem "sotaque socialista"

CLÓVIS ROSSI
DO CONSELHO EDITORIAL

O maior ícone vivo do liberalismo, o deputado federal Roberto de Oliveira Campos (PPB-RJ), autonomeou-se advogado de defesa do presidente Fernando Henrique Cardoso contra a acusação frequente de que FHC é neoliberal.
"Você evoluiu bastante, mas ainda tem um incrível sotaque socialista", disse Campos ao presidente, em telefonema que trocaram na quinta-feira, o dia em que o deputado completava 80 anos.
O diálogo foi reproduzido pelo próprio aniversariante no discurso com que agradeceu as homenagens recebidas antes, durante e depois de um jantar para cerca de 800 convidados, no hotel Copacabana Palace, no Rio.
Gustavo Franco, diretor da Área Externa do Banco Central e único integrante do governo presente, festejou a defesa:
"É uma absolvição vinda da fonte mais insuspeita", brincou.
Ao contrário do que se poderia esperar de um professor de economia, Campos fez muito mais uma reflexão bem-humorada sobre a velhice do que um tratado de economia.
Começou por dizer que a festa de aniversário, na sua concepção original, deveria ser a festa do partido PVC ("Porcaria da Velhice Chegou").
Pode ter chegado, mas Campos resistiu estoicamente, de pé e torturado no smoking, a mais de uma hora de cumprimentos dos convidados.
O desconforto com o traje foi relatado pelo próprio deputado, que chegou a contar episódio de 30 anos atrás, no dia em que deixou o Ministério do Planejamento (do governo Castello Branco), a 15 de março de 1967.
No mesmo Copacabana Palace, Campos tomava uísque com o teatrólogo Nelson Rodrigues, que lhe disse: "Jamais, jamais, use smoking".
Campos quis saber o porquê. E o teatrólogo justificou sua fama de um dos maiores frasistas brasileiros, ao dizer: "Não há nada mais parecido com um garçom do que um ex-ministro de smoking".
A filosofia MMS
Para falar da velhice, Roberto Campos passeou por filósofos, citou Confúcio, pensador chinês, mas disse preferir a filosofia francesa do MMS.
Explicou, então, que a sigla varia de significado conforme os anos passam.
"Aos 20 anos, significa de manhã, de tarde e de noite (cujas iniciais, em francês, são MMS). Aos 40, é mardi, mercredi e samedi (terça, quarta e sábado). Já aos 60, MMS é março, maio e setembro."
Sem usar a palavra sexo uma única vez, concluiu: "Na minha idade, MMS significa meu melhor souvenir".
Mas Campos não seria Campos se não falasse de economia e não se animasse a recitar o que chamou de "decálogo liberal" (ver texto abaixo).
Lembrou que o mundo só conheceu "três ondas de crescimento sincrônico", em que todos os países, grandes ou pequenos, ricos ou pobres, embarcaram.
Uma foi a partir de 1957, com os primórdios do mercado comum europeu. A segunda veio no fim da década de 60. Em ambas, Campos disse que o Brasil "pegou uma carona" e, na segunda, chegou "a antecipar o milagre asiático, com crescimento de 10% ao ano".
Mas, na terceira onda, a dos 80, o Brasil ficou de fora.
Motivo, segundo o aniversariante: todas as ondas foram precedidas de reformas significativas em várias partes do mundo, Brasil inclusive. Na terceira, no entanto, o Brasil não fizera reformas e, além disso, "adaptou-se mal à crise do petróleo".
A quarta onda
Agora, acha Campos, "avizinha-se a quarta onda e o Brasil tem que se preparar e pensar nas reformas de terceira geração".
São, essencialmente, as da educação e da poupança. O deputado lembrou que a população brasileira "não é competitiva internacionalmente", pela simples razão de que a escolaridade média brasileira é de apenas 4 anos, contra 5 em países vizinhos, 9 em países asiáticos e 11 no mundo desenvolvido.
Lamentou também "o enorme déficit de poupança" e deu a receita clássica do liberalismo para enfrentá-lo: privatizar a Previdência, posto que, em outros países, os fundos de pensão são "um grande instrumento do capitalismo".
Bilhete
Antes de Campos, falou Raphael de Almeida Magalhães, para ler bilhete do presidente Fernando Henrique Cardoso cumprimentando o aniversariante e estimulando-o a continuar na luta por "suas idéias".
Maneira elegante de dizer que as idéias de Campos não são as de FHC, o que ajuda a entender por que o deputado vê ainda um "sotaque socialista" no presidente.
Em nome dos convidados, o economista Paulo Rabello de Castro traçou o perfil do homenageado, com um evidente exagero: disse que, por ter marchado de Mato Grosso para o Rio com a mãe, "Campos foi também um precursor do MST", o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra, cuja marcha sobre Brasília se encerrava no momento em que se acendiam as luzes do "Golden Room" do Copacabana Palace para receber Campos e seus convidados.

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