São Paulo, sábado, 19 de abril de 1997
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Execução de aborto legal não precisa de autorização

EUNICE NUNES
ESPECIAL PARA A FOLHA

O Código Penal -que é de 1940- permite o aborto quando há risco de vida para a mãe ou quando a gravidez resulta de estupro. Hoje, 57 anos depois, as mulheres não conseguem fazer valer inteiramente esse direito. São raros os hospitais que realizam o aborto nas vítimas de estupro.
A grande maioria exige conclusão do inquérito policial e/ou autorização judicial para realizar o aborto em caso de estupro. Tanto um como outro podem demorar mais que os nove meses de gestação. A lei, no entanto, não fixa quaisquer condições para que o aborto seja realizado nesses casos.
Segundo o advogado criminalista Alberto Toron, as condições impostas pelos hospitais são ilegais. Para ele, bastaria que o médico obtivesse, por escrito, o consentimento da gestante, ou de seu representante, com uma ou duas testemunhas, para fazer o aborto.
"A lei não fala em autorização judicial nem em término do inquérito policial. Portanto, a decisão cabe ao hospital", diz Toron.
"É absurdo e lamentável o fato do artigo 128 do Código Penal, que trata do aborto legal, praticamente não ter aplicação no país. Trata-se de uma norma auto-aplicável, que tem sido desrespeitada ao longo de 57 anos", afirma Sílvia Pimentel, professora de filosofia do direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Segundo dados do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), sediado em Brasília, apenas sete hospitais em todo o território nacional oferecem atendimento nas hipóteses de aborto legal.
Em face da situação, há um projeto de lei no Congresso Nacional cujo objetivo é fazer cumprir a lei já existente (o artigo 128 do Código Penal). Apresentado em 1991 pelos deputados Eduardo Jorge (PT-SP) e Sandra Starling (PT-MG), ele poderá ser apreciado pela Câmara dos Deputados em maio próximo.
Se for aprovado como está, a rede hospitalar pública do Sistema Único de Saúde (SUS) terá de realizar o aborto admitido pela lei (leia texto abaixo).
Toron considera o projeto de lei positivo. Ele acredita que, ao regular as hipóteses de aborto legal, a decisão deixa de ficar a critério de cada hospital.
"A lei é necessária, não do ponto de vista jurídico, mas do ponto de vista estratégico e operacional. Com ela, os hospitais não poderão se negar a realizar o aborto na vítima de estupro", avalia Pimentel.
O Cfemea diagnosticou uma profunda insegurança dos profissionais da saúde em relação ao aborto legal.
"Eles têm medo de ser acusados de cometer crime. Há também uma resistência natural, pela própria formação deles (obrigação de lutar pela vida)", diz Pimentel.

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