São Paulo, domingo, 20 de abril de 1997
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Como onze sem-terra se transformam em mais de 650

ELVIRA LOBATO
DA ENVIADA ESPECIAL A CAMPOS

A invasão dos canaviais da Usina São João, primeira ação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra na região de Campos (279 km ao norte do Rio de Janeiro), na madrugada do último dia 12, foi organizada em três meses pelo MST.
Até dezembro de 96, o MST não tinha nenhum representante no município. A partir de janeiro, foram deslocados para a área quatro lideranças do Espírito Santo, três do Pontal do Parapanema (SP), uma do Paraná e mais três de outros assentamentos do Estado do Rio.
A organização dos sem-terra na região canavieira do norte-fluminense foi delegada a Francisco Valença Lam, 27, membro da coordenação nacional do MST e da direção do Rio.
Lam é filho do ex-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Pedro da Aldeia, Sebastião Lam, morto em 88.
Estudou até a terceira série primária e, aos 18 anos, com a morte do pai, ingressou no movimento sindical. Foi vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Cabo Frio e, em 1993, quando acabou seu mandato, entrou para o MST.
Francisco Lam, conhecido como "Chiquinho", chegou sozinho em Campos, em 24 de janeiro, para ser o coordenador do MST na região norte do Estado.
Ele contou à Folha que tinha apenas um contato: o diretor do Sindipetro (Sindicato dos Empregados da Petrobrás) local Luiz Carlos Mendonça, o Meio-Quilo. Tão logo desembarcou na cidade, marcou uma reunião com os sindicatos dos professores, médicos, bancários, telefônicos e com lideranças estudantis, que formariam seu exército inicial.
Com ajuda dos petroleiros, alugou uma casa (a R$ 200 por mês) que iria acomodar os militantes deslocados para a área.
Chiquinho Lam conta que começou seu "trabalho de formiguinha" a partir das associações de moradores das favelas.
"Foi um trabalho de pé-de-ouvido, com visitas de casa em casa. Os trabalhadores rurais de Campos não conheciam o MST e me diziam que esse negócio de sem-terra iria dar em morte.", relata.
Para persuadi-los a aderir, Lam visitava as favelas com blocos de fichas de cadastramento para a reforma agrária debaixo do braço: "Em um mês, cadastrei 360 famílias".
A Usina São João foi escolhida por sua extensão de terras (8.500 hectares), por estar fechada desde junho do ano passado e por já estar entre as áreas consideradas pelo Incra como prioritárias para desapropriação.
As famílias que participaram da invasão só souberam que seu destino seria a Usina São João quando já se encontravam dentro dos ônibus alugados pelo MST. Francisco Lam disse que a informação foi mantida em segredo, até o último instante, para evitar vazamento.
A maior parte dos 400 sem-terra que participou da ocupação veio de acampamentos de outros municípios.
Luiz Carlos Sodré, 46, conta que estava acampado há um ano e meio em Rio das Ostras (Região dos Lagos). Na antevéspera da ocupação, as lideranças do acampamento lhe mandaram arrumar os pertences e os dois filhos e seguir para Macaé.
Três ônibus, lotados de sem-terra, partiram de Macaé para Campos na sexta-feira à noite. "Só então fiquei sabendo para onde íamos", diz Sodré.
Nos dias seguintes à invasão, à medida que o assunto ganhou espaço no noticiário e apoio da prefeitura, levas de trabalhadores pobres de Campos aderiram.
No domingo à tarde, os bambuzais de Campos já haviam sido dizimados para a construção do acampamento e os sem-terra passaram a buscar bambus na vizinha Conceição de Macabu.
Na quarta-feira, já havia 650 famílias cadastradas, embora o número de acampados fosse da ordem de 300. Sem comida para todos, os adultos se alimentavam basicamente de cana.

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