São Paulo, segunda-feira, 21 de abril de 1997
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Usineiro critica invasões do MST

ELVIRA LOBATO
ENVIADA ESPECIAL A CAMPOS (RJ)

O empresário Geraldo Coutinho, líder dos usineiros do norte-fluminense, diz que a ocupação da Usina São João, pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), só vai "mudar os favelados de endereço".
Na madrugada do último dia 12, cerca de 400 sem-terra invadiram a Fazenda Jacarandá, da Usina São João, em Campos (a 279 km ao norte do Rio). A usina está fechada desde junho do ano passado.
Coutinho diz que a fazenda foi escolhida por ficar próxima do centro da cidade e "facilitar o aliciamento das pessoas nas favelas".
Apoiados pela Prefeitura de Campos e pelo governo do Estado, os sem-terra já começaram a derrubar os canaviais para plantio de outras culturas.
As usinas do norte-fluminense estão em crise desde o final da década de 70. Metade das 18 usinas que existiam nos anos 80 já fechou, e o número de desempregados na região é estimado em 20 mil.
Coutinho é presidente do Sindicato da Indústria e da Refinação do Açúcar do Rio de Janeiro e Espírito Santo e sócio da Usina Paraíso.
O usineiro recebeu a reportagem da Folha na sede de sua usina, em Campos. A seguir, os principais trechos da entrevista:
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Folha - O senhor diz que apóia a reforma agrária, mas critica o MST por ter ocupado a Usina São João.
Geraldo Coutinho - Para mim, uma invasão que é decidida por um comando de três ou quatro pessoas não é reforma agrária. É apropriação de bem alheio. Uma reforma agrária que se pretende sadia tem de ser precedida de negociação, de entendimento.
Folha - O senhor acha que a região de Campos vai se transformar em um foco de ação do MST?
Coutinho - Por que isto iria acontecer? Apenas por estarmos vulneráveis financeiramente? Não há processo de desapropriação das terras da Usina São João. A fazenda está numa lista do Incra para reforma agrária, mas quase metade das terras do Brasil também está na lista. A reforma agrária deve ser feita em terra de especuladores. A família Lizandro (proprietária da São João) tem cem anos de atividade agrícola. O fato de estar em crise não justifica a invasão.
Folha - Por que as usinas fluminenses estão falindo?
Coutinho - Nos anos 70, o governo nos seduziu com um programa de aumento da capacidade de produção, mas nada fez para aumentar a produtividade dos canaviais. A capacidade de moagem das usinas passou de 5 milhões de toneladas/ano para 16 milhões, três vezes maior do que a produção de cana.
Folha - Quantas usinas fecharam?
Coutinho - Éramos 18 no início dos anos 80 e, no ano passado, apenas nove funcionaram. Infelizmente, o processo não acabou.
Folha - Fala-se que restarão quatro ou cinco.
Coutinho - É um número compatível com a produção atual de 5,5 milhões de toneladas de cana.
Folha - Quantos empregados foram demitidos?
Coutinho - Não tenho o número, mas o fechamento de usinas não é um privilégio de Campos. A situação em Pernambuco é tão grave quanto a nossa.
Folha - Os senhores pretendem procurar o governo?
Coutinho - Estamos cansados de levar propostas ao governo. Nos últimos 15 anos, temos dito que as usinas iriam fechar se não houvesse investimentos em irrigação. Fomos tratados como tubarões querendo favores do governo. Agora as usinas estão quebrando. Não vamos mais apresentar projetos. Chega de entulhar gavetas.
Folha - O que querem, então?
Coutinho - Queremos que os governos federal e estadual formem uma comissão, sem participação de usineiros, para fazer um diagnóstico do setor. Se concluírem que o Rio não deve produzir açúcar, tudo bem, estarão dividindo a responsabilidade conosco.
Folha - Essa decisão não cabe aos empresários?
Coutinho - Sim, mas ficará implícito um compromisso com o quadro que traçar.

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