São Paulo, segunda-feira, 21 de abril de 1997
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Brasil precisa de modelo de saúde, diz economista

OTÁVIO DIAS
DA REPORTAGEM LOCAL

O Brasil já encontrou o rumo na melhoria da educação pública, mas ainda está perdido no que diz respeito à gestão da saúde.
É o que afirma o economista Claudio de Moura Castro, 56, chefe da divisão de programas sociais do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), sediado em Washington, nos Estados Unidos.
Segundo ele, saúde e educação, além de uma política econômica eficiente, são as bases para uma melhor distribuição de renda.
Castro participou no início de abril de um seminário sobre programas sociais de combate à pobreza organizado pela Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), em São Paulo.
O encontro também teve a participação da primeira-dama Ruth Cardoso, que preside o Conselho Comunidade Solidária.
Leia a seguir os principais trechos de entrevista concedida à Folha após o seminário:
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Folha - Durante sua participação no seminário organizado pela Cepal, o sr. afirmou que a política econômica é mais importante do que programas sociais para enfrentar a questão da pobreza. Poderia explicar melhor?
Castro - A saúde e o crescimento econômico do país são os maiores fatores de criação de empregos e redução da pobreza. Portanto, uma boa gestão da economia reduz o número de pobres.
Folha - Bem, aí temos um problema, porque as taxas de crescimento econômico no mundo em geral, e também no Brasil, têm se mostrado baixas.
Castro - Sim, mas o Brasil conseguiu estabilizar a economia e continuar crescendo, o que antes não se imaginava possível. A estabilização não trouxe novos problemas, eles já estavam aí. E, na área social, deu uma mexida imediata na distribuição de renda.
Folha - Mas o Brasil já teve altas taxas de crescimento e a distribuição de renda não melhorou.
Castro - Embora seja claro que, quanto mais rápido o crescimento, mais rápido se reduz a pobreza, nem sempre o crescimento desemboca em redistribuição de renda.
A distribuição de renda é mais misteriosa. O que sabemos de políticas redistributivas é muito mais precário do que o que se sabe sobre diminuição da pobreza.
Acho que, antes de adotar uma política que afete diretamente a distribuição, é preciso pensar muito. É algo que tende a ser perigoso porque corre-se o risco de se interferir no mercado e a economia reagir de forma disfuncional.
Folha - Em sua opinião, o que pode ser feito para que se reduza a pobreza e se distribua renda de maneira mais rápida?
Castro - Programa social rápido é demagogia. Algo que se pode elogiar no programa Comunidade Solidária é que não está tentando diminuir a pobreza com o 'programa do leite' ou da 'bananinha diária'. O que se está buscando é uma articulação do governo para um melhor uso dos recursos sociais. Não há saída senão fazer funcionar a burocracia do governo.
Além disso, não dá para basear um programa de cunho social no trabalho de ONGs (organizações não-governamentais), ou seja, no projeto do padre, da freira, dos voluntários etc. Para combater de fato a pobreza e redistribuir renda, o fundamental é que a saúde e a educação funcionem. E operar a gestão da educação e da saúde por intermédio de ONGs é coisa de país vitimado por guerra civil ou total desgoverno.
Agora, o que o Brasil deveria incentivar mais são fundações filantrópicas ligadas a empresas que estão realizando trabalhos, em especial na área de educação e formação, de grande inteligência social.
Posso citar a Fundação Bradesco ou a Odebrecht, entre outras. Essas fundações identificam de maneira clara áreas críticas e apóiam projetos experimentais que necessitam de uma gestão muito delicada.
Há um gasto eficiente dos recursos e aprende-se mais com as experiências porque há um processo de avaliação embutido.
Folha - No Brasil, a educação e a saúde não têm cumprido esse papel de redistribuição de renda. Por quê?
Castro - Em primeiro lugar, porque na Constituição está estabelecido que os gastos do governo nessa área devem ser equitativamente distribuídos, com forte grau de igualdade e oportunidade.
É a idéia do ensino público gratuito e da universalização da saúde. Mas, na prática, os ricos continuam sendo mais beneficiados que os pobres. Gasta-se muito, por exemplo, com o ensino superior em detrimento do de primeiro grau. A prática das políticas sociais é concentradora. Alterar isso é uma das receitas seguras para melhorar a distribuição de renda.
Folha - Quer dizer, usar os recursos sociais para as classes desfavorecidas mesmo que as outras fiquem excluídas?
Castro - Elas nunca ficarão excluídas. Mas ficarão mais pagantes, terão de contribuir mais com seus próprios recursos.
Folha - O governo está tendo mais sucesso na área de educação do que na de saúde?
Castro - Na educação, já existe um modelo de como consertar o ensino de primeiro grau e, mais importante ainda, há a consciência de que esse modelo existe.
Ele não foi elaborado durante o governo Fernando Henrique, mas começou a ser desenvolvido no Paraná, em São Paulo e em Minas Gerais há alguns anos.
Baseia-se em cinco pontos: descentralização, recursos nas escolas, despolitização do processo educativo, avaliação dos resultados e participação dos pais. O que o ministro da Educação, Paulo Renato Souza, fez foi adotá-lo.
Na saúde, não temos um modelo. Na cabeça do brasileiro, a saúde parece ser uma eterna falta de dinheiro e de corrupção. Mas nosso gasto com saúde corresponde ao de países com estatísticas infinitamente superiores às nossas. Portanto, temos uma caixa preta e precisamos abri-la.
Por exemplo, no Brasil todo mundo tem direito a tudo. Ou seja, quando o Estado paga uma cirurgia que custa R$ 30 mil, está gastando recursos que dariam para assistir um grande número de pessoas durante o ano inteiro.
Num país onde ainda se morre de doenças endêmicas, é preciso ter hierarquia: gasta-se primeiro naquilo que tem um impacto maior na saúde da maioria.
Outro exemplo: aqui, o critério de atendimento é a fila. Não há um filtro que avalie a necessidade do paciente. O primeiro contato de um paciente deveria ser com uma instituição de baixo custo, como um posto de saúde ou um médico de família, que definiria o tipo de exame que o paciente deveria fazer, qual especialista deveria consultar. Sem a definição de um modelo claro, não dá para melhorar a saúde brasileira.

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