São Paulo, segunda-feira, 21 de abril de 1997
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Público de 'Você Decide' opta por execução sumária

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em meio à indignação da opinião pública diante das imagens de tortura e extermínio cometidos por agentes policiais em diversas partes do país, os telespectadores que telefonaram para o programa "Você Decide", na última quinta-feira, optaram pela execução sumária de um delinquente.
Em sua versão 97, o programa "Você Decide" deixou de ser bipolar. O público agora escolhe entre três opções de final. A pergunta e as alternativas de resposta são formuladas desde o início e recolocadas a cada intervalo. O público tem o programa inteiro para registrar o seu voto.
A inovação, no entanto, não aumentou muito as chances de escolha. A formulação das alternativas continua limitada. O programa abordou a história de um menino carente que invade o apartamento de uma profissional engajada justamente na defesa de meninos de rua.
Dentre as inúmeras possíveis interações entre um delinquente armado com um revólver e uma trabalhadora de classe média, munida de um laptop em cuja tela o garoto lê um texto que caracteriza os meninos de rua como vítimas da sociedade, o programa optou por retratar o drama dela.
Dina deve se manter fiel a seus princípios humanitários e perdoar o moleque? Dina deve abandonar seus princípios e denunciar o garoto à polícia? E por último a opção escabrosa: Dina deve abrir mão de seus ideais e matar seu agressor?
O comportamento dos telespectadores não variou durante o programa. A alternativa da vingança extremada esteve na frente desde o início, chegando ao final com 79.495 votos, um pouco mais que a soma dos votos obtidos pelas duas primeiras alternativas, sendo que entre elas, a polícia mereceu a confiança de 44.941 votantes.
É chocante que o programa se sinta à vontade para formular a questão. Mais chocante ainda é que telespectadores se sintam no direito de aconselhar a execução de um infrator -é bom notar que o menino não passa da ameaça de estupro e assalto.
O episódio choca porque explicita um potencial inusitado de violência generalizada. A violência que corrói os interstícios da sociedade gera um clima de medo e impunidade que parece legitimar qualquer coisa.
Mas, se fosse possível cobrar coerência da emissora e da opinião pública, gostaria de lembrar que a arbitrariedade envolvida no ato de fazer justiça com as próprias mãos não é muito diferente para policiais corruptos e vítimas de assalto.

E-mail: ehamb@uol.com.br

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