São Paulo, segunda-feira, 21 de abril de 1997
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Santa Ceia revela renascimento florentino

LOUIS INTURRISI
DO "TRAVEL/THE NEW YORK TIMES"

Durante a Idade Média, a Santa Ceia -a última refeição partilhada por Jesus e seus apóstolos- era parte de qualquer afresco que contasse a história de Cristo.
Mas no século 15 a Santa Ceia começou a aparecer isoladamente, em especial nos refeitórios de conventos e mosteiros.
Uma das razões para o grande número dessas pinturas em Florença é o tema combinar com os ideais italianos de harmonia e perspectiva em voga no século 15.
A cena de Jesus e os 12 apóstolos na mesa cumpre tal papel perfeitamente, porque permite ao artista dividir o espaço harmonicamente.
Também possibilita um balanceamento da cena, ao distribuir igual número de apóstolos de cada lado de Jesus, de forma que a linha de fuga fique atrás da cabeça do protagonista.
A Santa Ceia foi o assunto predileto para os cenáculos não apenas porque representava uma refeição, mas porque foi nela que se instituiu a Eucaristia.
Finalmente, a Santa Ceia, com a revelação surpreendente do desastre iminente, era o tipo de drama preferido pelos renascentistas.
Como o "David", de Michelangelo, ou o "Perseus", de Cellini, a Santa Ceia fixa a atenção num momento dramático imediatamente anterior à ação decisiva.
No caso de David, é exatamente antes de ele carregar a funda; na Santa Ceia, é o momento (segundo Mt. 26: 20-23) no qual Jesus revela que um dos discípulos vai traí-lo.
Santa Croce tem a mais antiga (1340) Santa Ceia em refeitório de Florença, no museu Cimabue.
Na entrada do antigo refeitório franciscano, o afresco está ao longo da parede do fundo, abaixo de uma reprodução da crucificação.
Ambas foram pintadas por Taddeo Gaddi, que trabalhou com Giotto por quase 25 anos e se tornou um dos líderes da pintura do século 14.
Ao comparar essa Santa Ceia com as outras, lembre-se que nessa não há segundo plano atrás das figuras, apenas um espaço negro.
Todos, menos Judas, estão alinhados e de frente. Cada um é um ícone, e os santos são muito grandes para a mesa estreita que ocupa o comprimento da parede.
Mais do que isso, as figuras comunicam pouca tensão psicológica e pouco movimento físico, ainda que sejam bem acabadas.
Tudo isso muda radicalmente na Santa Ceia de Sant'Apollonia, na piazza della Indipendenza. Ela foi pintada cerca de cem anos mais tarde por Andrea del Castagno.
No refeitório de um convento beneditino, agora o museu Castagno, ela ocupa a parede de uma sala longa e pouco iluminada.
Por meio de proporções matematicamente calculadas, ela cria a ilusão do espaço tridimensional numa superfície bidimensional.
Mais do que decorar a parede, a Santa Ceia a substitui, criando uma sala dentro da outra, que parece se projetar no refeitório.
No lugar do segundo plano negro e neutro de Gaddi, há uma explosão de cor dos seis mármores diferentes que saltam das molduras brancas e criam uma profundidade para além das figuras.
Onde colocar Judas sempre foi um problema nas pinturas da Santa Ceia. Se ele está entre os outros apóstolos, como apontá-lo? Se está separado, destrói o arranjo balanceado das cadeiras.
Na concepção de Castagno, Judas senta-se sozinho em frente à mesa, mas sua figura interrompe a continuidade branca da toalha e forma um círculo com Jesus e Pedro do outro lado da mesa.

Tradução de Claudio Garon

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