São Paulo, quarta-feira, 23 de abril de 1997
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Artista foi arranjador genial e único

HENRIQUE CAZES
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Pixinguinha deve ser encarado como um ponto de partida a ser seguido pelos orquestradores brasileiros. Seus trabalhos nessa especialidade deixam transparecer valores típicos da nossa música popular, seja em harmonia, contraponto, ritmo e feição regional. Tanto assim que ele é considerado, com muita razão, o único orquestrador que dá força regional à nossa música."
Maestro Cesar Guerra-Peixe

Pixinguinha foi de fato um arranjador genial e único. Seu estilo combinava em proporções perfeitas uma rara imaginação melódica com um balanço insuperável. Sem lançar mão de acordes sofisticados, ele vestia de alegria e originalidade cada obra sua ou de outro autor.
Antes mesmo de Radamés Gnattali, Pixiguinha lançou as bases da linguagem orquestral da música brasileira e com amplo domínio da instrumentação, marcou época em rádios e gravadoras onde fornecia o aparato musical à intérpretes como Francisco Alves, Carmen Miranda, Mario Reis e muitos outros.
Para o repertório carnavalesco criou centenas de arranjos geniais, com modulações inesperadas, citações de acordo com a letra; ajudou decisivamente o sucesso de músicas como "Alá-lá-ô".
Normalmente não fazia a "grade orquestral", escrevia diretamente as "partes" de cada instrumento, conforme o costume dos velhos mestres de banda. Escrevia com uma pena de cobre e tinha nanquim solfejando cada "parte". Só raramente consultava o piano, para experimentar uma passagem mais intrincada.
Como trabalhava com violonistas, cavaquinistas e percussionistas que não liam música, não escrevia a base, o que se constitui hoje em uma dificuldade extra na codificação de seu estilo e na reconstituição de sua sonoridade característica.
Começou a orquestrar regularmente em 1928 para as gravadoras Odeon, Parlophone e Brunswick. Mais tarde, na Victor, organizou a Orquestra Victor Brasileira, que contava com craques como Luiz Americano no saxofone e no clarinete, Bonfíglio de Oliveira no trompete e Luperce Miranda no bandolim. Ainda na mesma gravadora, organizaria a Orquestra Típica Victor, os Diabos do Céu e o Grupo da Guarda Velha.
Durante os anos 30 dividiu os arranjos na Victor com Radamés, ficando normalmente com a parcela mais rítmica do repertório enquanto Gnattali cuidava da parte mais romântica. Na década seguinte, com o aumento da influência norte-americana, com as big bands difundidas pelo cinema falado, foi aos poucos sendo considerado um arranjador "da antiga" e diminuiu sensivelmente sua atuação no mercado fonográfico.
Mesmo tendo ficado à margem de movimentos como o da bossa nova, Pixinguinha até sua morte não mudou sua maneira de orquestrar, dando a impressão de que no fundo de sua sincera modéstia sabia que escrevia para a eternidade.

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