São Paulo, quinta-feira, 24 de abril de 1997
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ITR: um leão de papel

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

O presidente da República insiste em afirmar que o movimento dos sem-terra não dá o devido crédito a seus esforços em prol da reforma agrária. Voltou a dizê-lo por ocasião do seu encontro com as lideranças do MST, na sexta-feira passada.
Um dos pratos de resistência da argumentação do presidente tem sido a nova legislação do Imposto Territorial Rural (ITR), aprovada em dezembro de 1996.
Na entrevista coletiva concedida após o encontro, Fernando Henrique referiu-se duas vezes ao novo ITR e pediu que se reconheça o progresso feito pelo governo nesse e em outros aspectos da questão agrária.
Em artigo distribuído pelo Palácio do Planalto e publicado pelos principais jornais do país no domingo retrasado, o presidente chegou ao ponto de afirmar que "o novo ITR, por si só, introduz verdadeira revolução na estrutura fundiária do país". A "revolução" se deve, segundo ele, ao fato de que a nova lei "elevou de 4,5% para 20% a alíquota sobre a grande propriedade improdutiva, ao mesmo tempo em que simplificou e facilitou a cobrança do imposto".
Como seria de esperar, as lideranças do MST não se convenceram. No documento que entregaram ao presidente na sexta-feira, afirmam que o governo não tem tido "vontade política de realmente cobrar (o ITR) dos latifundiários".
A legislação anterior, prossegue o documento, já permitia uma cobrança significativa, que não foi feita. Segundo o MST, o ministro Raul Jungmann "revelou à bancada ruralista que a legislação anterior era mais punitiva ao latifúndio do que a nova proposta do governo. Dessa forma, conseguiu o apoio da bancada".
Vejamos o que está nas notas taquigráficas da reunião do ministro Jungmann com a bancada ruralista e outros parlamentares, realizada no Congresso, no dia 10 de dezembro de 1996, pouco antes da aprovação do novo ITR.
Na ocasião, alguns deputados da bancada ruralista questionaram a alíquota de 20%, considerando-a "confiscatória". Jungmann respondeu que a lei anterior estabelecia "uma taxação muito mais gravosa". Isso porque continha um "mecanismo de progressão temporal", segundo o qual a alíquota era multiplicada por dois, ano a ano.
No caso da alíquota de 4,5%, que vigorava para as grandes propriedades com grau de utilização inferior a 30%, a alíquota "seria de 72% em seis anos", afirmou o ministro. "Portanto, se considerarmos um horizonte de cinco a seis anos, estamos sendo, inclusive, menos gravosos do que o que está vigendo", concluiu.
O governo fica devendo um esclarecimento. Afinal, quem são as vítimas do "marketing" governamental -a bancada ruralista, alvo das explicações do ministro, ou a população em geral, brindada com as constantes referências do governo ao aumento das alíquotas sobre as terras improdutivas no novo ITR?
Seja como for, o que mais importa não é a alíquota nominal, o percentual fixado em lei, mas a alíquota efetiva, isto é, a relação entre o imposto pago e o valor real da terra. Se o valor da terra continuar a ser subestimado, as alíquotas efetivas continuarão irrisórias.
É o que provavelmente ocorrerá, em parte porque a nova lei do ITR suprimiu o VTNm, o valor mínimo da terra nua, previsto na lei anterior, que era fixado pela Receita com base em dados da Fundação Getúlio Vargas.
O novo ITR é um tigre (ou leão) de papel. Permanecerá insignificante como instrumento de arrecadação ou de reforma agrária.
Trata-se de um tributo complexo, que sempre foi fortemente sonegado. E a Receita Federal continua desaparelhada para fiscalizá-lo.

E-mail: pnbjr@ibm.net

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