São Paulo, sexta-feira, 25 de abril de 1997
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Doleiros e políticos

LUÍS NASSIF

Não se deve julgar a CPI dos Precatórios antes da divulgação do relatório final. De qualquer modo, há no ar uma indisfarçável timidez em tratar mais a fundo a questão dos doleiros.
A CPI já conseguiu quebrar o tabu e convocar presidentes de grandes bancos. Montou shows públicos com vários dos acusados. Curiosamente, até agora, poupou dois personagens que estão quase umbilicalmente ligados: políticos e doleiros.
Sintomaticamente, a própria CPI começou a perder o gás justo no momento em que deveria entrar em uma das questões mais sensíveis e relevantes do universo pesquisado: as caixinhas políticas.
É relevante punçar esse tumor, não por eventuais desdobramentos punitivos, mas para expor um dos aspectos mais distorcidos do modelo político brasileiro: esse enorme pântano, pouco transparente, onde misturam-se dinheiro de propina, comissão de políticos e contribuições eleitorais que não podem ser declaradas.
Atrás de toda caixinha política há um doleiro transformando contribuições e/ou propinas em dólares ou em reais. Esse universo ainda não foi desvendado.
O senador Romeu Tuma esteve no Paraguai, recolheu informações, mencionou alguns dos grandes doleiros do mercado. Mas pouco se avançou além disso.
Banqueiros do bicho
De certo modo, os doleiros atuais vivem situação semelhante à dos banqueiros do jogo de bicho do Rio, de alguns anos atrás. Eram cidadãos respeitados, que dominavam o Carnaval carioca, tinham acento nas mesas de prefeitos e governadores, em uma verdadeira humilhação à opinião pública brasileira.
O próprio crescimento político do país permitiu que juízes severos os prendessem e enquadrassem a atividade na categoria da contravenção, não de beneméritos.
A diferença em relação aos doleiros é que os banqueiros eram contraventores, e a atividade desses grandes doleiros é considerada criminosa.
Ninguém duvida que, a hora em que se abrir a contabilidade de um grande doleiro, vai-se expor, em toda sua crueza, as vísceras do Brasil 2.
Vai-se pegar não só o Brasil marginal, como parte relevante do Brasil oficial. Simplesmente porque anos de condescendência acabaram tornando rotineiros atos ilegais -como mandar dólares para fora, praticar subfaturamento, manter caixa dois, "esquentar" ou "esfriar" dinheiro.
Há estimativas não-oficiais de um volume de até US$ 70 bilhões de recursos de brasileiros no exterior. Tudo isso passou pelas contas dos grandes doleiros que atuam no mercado.
Se o momento é de se passar o país a limpo, e criar as bases para um período de modernização, não se pode passar ao largo dessa questão.
Se a CPI não entrar a fundo na questão dos doleiros e das caixinhas eleitorais, não haverá jogo de cena capaz de salvar a cara dos senadores ao final dos trabalhos.
Fumaça
Sugere-se ao ilustre senador Vilson Kleinubing que deixe de anunciar essa história de contratar advogados para localizar o dinheiro dos precatórios no exterior. Localizou, e daí? Se a CPI não juntar elementos que permitam ao Ministério Público tipificar o crime cometido, não haverá legislação no mundo que permita a recuperação desse dinheiro.

Email: lnassif@uol.com.br

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