São Paulo, sexta-feira, 25 de abril de 1997
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Mudar o não feito

LUIZ CAVERSAN

Rio de Janeiro - Como bem notou Clóvis Rossi em sua coluna de ontem, a reformulação da polícia proposta pelo governador de São Paulo, Mário Covas, sem dúvida abre um canal concreto numa discussão que poderá levar a segurança pública ao encontro da cidadania.
Mas há um detalhe, que de detalhe, na verdade, não tem nada, que é o seguinte: ao mesmo tempo em que se fala nas mudanças que devem ocorrer no que já existe, naquilo que bem ou mal foi feito pelo poder público (no caso, as estruturas das polícias Civil e Militar), deve-se com a mesma ênfase discutir tudo o que não foi feito.
Estou me referindo, mais uma vez, à situação de abandono total em que se encontram as populações relegadas aos cantões de pobreza dos grande centros urbanos. No caso específico do Rio, à gente das favelas.
O fato de deixar de existir uma polícia que arromba porta de barraco, bate em trabalhador e achaca bandido será sem dúvida um avanço.
Uma mudança no que está feito.
E o que não foi feito, como fica?
O Rio de Janeiro tem, segundo o IBGE, cerca de 900 mil pessoas vivendo em mais de 400 favelas. A maioria sem nada que possa remeter à cidadania: saneamento, médico, dentista, creche, luz, água, escola, posto de saúde.
Segurança? Só se for a oferecida pelos bandidos, que como sempre ocorre, se alojam onde o Estado é ausente.
É isso o que está feito (ou não feito) nos nichos de pobreza e violência a que foi relegada parcela significativa da população do Rio, quase 15% dos cariocas, e é isso que precisa ser encarado com coragem.
Mudar a polícia é uma urgência, sem dúvida. Mas o que não se pode deixar permanentemente em baixo do tapete é a ineficiência de seguidos governos, que fez surgir uma triste casta de subcidadãos, que vivem à espera de que alguma coisa aconteça.
Em geral, não sabem o que virá primeiro: o tiro do traficante ou o coturno do PM.

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