São Paulo, sábado, 26 de abril de 1997
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'Vale não deve ser controlada por clientes'

DA REPORTAGEM LOCAL

Benjamin Steinbruch, líder de um dos grupos que participam do leilão da Vale do Rio Doce, defende a predominância de capital nacional entre os controladores da empresa.
"A Vale é estratégica pelo fato de ser produtiva, exportadora, usar portos, ferrovias. Ela é um complexo exportador estratégico para o país. Por isso, nesse caso, sou um pouco mais conservador", disse o líder do Consórcio Brasil.
Para Steinbruch, que ocupa a presidência da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional) -privatizada em 5 de abril de 1993-, haveria "algum desconforto em se ter, nos controladores da Vale, seus maiores clientes".
Defensor do que chamou de modelo "democrático de gerenciamento", ele aposta na modernidade de sua proposta para vencer a disputa com o grupo Votorantim.
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Folha - Qual vantagem da proposta do consórcio do sr. em relação à do Consórcio Valecom?
Benjamin Steinbruch - A vantagem é o modelo proposto, que é de controle compartilhado, com gestão profissional e com predominância de capital brasileiro.
Folha - Como seria o controle compartilhado?
Steinbruch - Ninguém tem a maioria sozinho. Os fundos de pensão, por exemplo. Os dois que entraram no Valecom (Sistel e Centrus) entraram só para manter as ações. Os que entraram com a gente entraram para, não só ampliar suas ações, mas também participar no conselho de administração. Porque, no nosso modelo, todos os controladores ficam no conselho de administração. A administração, por sua vez, será completamente profissionalizada, com profissionais recrutados de mercado e da companhia, apenas com preocupação executiva.
Folha - Um modelo de gestão familiar como o da Votorantim (líder do outro consórcio) seria prejudicial para a Vale?
Steinbruch - Sou oriundo de uma empresa familiar. A Vicunha é uma empresa familiar, fechada, exatamente como a Votorantim. Se me dissessem, há quatro anos, que eu estaria discutindo esse modelo compartilhado seria uma surpresa para mim. Mas tivemos oportunidade de participar da CSN e lá seguimos esse esquema. Aprendemos muito com ele. É muito mais trabalhoso, mais complicado, mas é muito mais confortável, porque todos erram juntos, se forem errar. No caso de uma Vale, que é muito grande, isso é muito importante. Primeiro, o acionista controlador sentar na mesa com poder de voto proporcional ao capital investido na companhia. Segundo, é sentar vivo. Sentar sabendo que há partes que possuem controle dentro de um controle é muito desconfortável.
Folha - Isso diz respeito também ao modelo de administração profissionalizada?
Steinbruch - No sentido de não haver controladores na parte executiva. A partir do momento que se tem um sócio na parte executiva, quando você cobra um executivo, está cobrando seu sócio. E aí começa o problema.
Folha - Então os sócios não participarão diretamente da direção?
Steinbruch - Não. Isso é muito mais difícil, mas também é muito mais democrático e mais moderno. Por isso sou entusiasta desse modelo.
Folha - A Vale faz parte de um setor estratégico que tem de ter predominância de capital nacional?
Steinbruch - De maneira geral, o capital estrangeiro é superbem-vindo. Pelo tamanho de país e de potencial de negócios que temos, obrigatoriamente, vamos ter de abrir da maneira que está sendo feita. Agora, dentro de setores específicos, que requeiram tecnologia de ponta, investimentos pesados, como é o caso de telecomunicação e de energia, acho que é importantíssima essa participação. Porque eles investem bilhões em desenvolvimento de novos produtos e tecnologias. Eles têm de estar aqui e prestar um bom serviço. No caso da Vale, que é a maior exportadora brasileira, sou um pouco mais conservador. Acho que há algum desconforto em se ter, entre os controladores da Vale, seus maiores clientes. Nesse caso, seria mais conservador. Daí nossa proposta de predominância de capital brasileiro.
Folha - Então o capital estrangeiro pode participar de seu consórcio, mas não como controlador?
Steinbruch - Na Light somos sócios de empresas estrangeiras e é ótimo porque é um setor de serviço. Não vão tirar poste daqui para levar para lá. A Vale é estratégica pelo fato de ser produtiva, exportadora, usar portos, ferrovias. Ela é um complexo exportador estratégico para o país.
Folha - Já foi concedida uma liminar suspendendo o leilão. Isso pode atrapalhar o negócio?
Steinbruch - Acredito que o BNDES (responsável pelo leilão) já tenha desenvolvido uma tecnologia própria para viabilizar os leilões. Um adiamento seria uma ducha de água fria. Mas quem está interessado hoje vai estar interessado dois ou três dias depois.
Folha - O sr. está calculando que possa haver um ágio de quanto?
Steinbruch - A Vale está com um preço justo. Se formos olhá-la do ponto de vista operacional, ela está com um preço bastante justo. Claro que sempre há a possibilidade de reduzir custos, estrategicamente mudar alguns conceitos, alguma liberdade maior de gestão e isso agrega valor à companhia. Mas é muito dinheiro. Quando você fala em um lance mínimo de R$ 2,8 bilhões, qualquer ágio é muito dinheiro. Estou bastante conservador em relação ao preço.
Folha - Nos cálculos mais pessimistas, de quanto seria o ágio?
Steinbruch - Depende da conta de cada um. A nossa só será feita neste fim-de-semana. Qualquer estimativa seria prematura. O preço mínimo já é bastante razoável. Afinal, cada 10% são R$ 280 milhões. Para juntar esse valor é difícil. Dentro de uma estratégia em que se possa agregar valor à companhia e ter conforto para poder ter retorno sobre esse investimento, vamos ver qual o preço que realmente poderemos pagar.
Folha - Esse conforto para investir virá de onde?
Steinbruch - Os membros do consórcio trabalharam individualmente. Vamos juntar os dados e chegar a um valor de consenso. Folha - Quais os planos do sr. para a Vale. Poderá desmembrá-la?
Steinbruch - Nosso modelo prevê a Vale como um todo. Não pretendemos vender nem desmembrar nada. Ao contrário, acreditamos que a Vale é forte por ser um conjunto de empresas. Na nossa opinião, a Vale não pode ser mexida. Teríamos seis meses para entender realmente a Vale, discutir a estratégia com a diretoria e os demais funcionários da companhia e depois, eventualmente, começar a tomar decisões estratégicas. Não acreditamos em mudanças drásticas antes de seis meses. Folha - Quais poderiam ser essas mudanças drásticas?
Steinbruch - Vamos estudar cada setor em separado e ver como eles podem ser viabilizados, seja aumentando, diminuindo, investindo, juntando. Dentro de uma economia globalizada todos procuram produção. Dentro disso, temos de dimensionar os negócios para que sejam competitivos. Nesses seis meses, determinaremos onde serão feitos os investimentos e o que pretendemos deles. Vamos entender a estratégia usada até agora, para mudá-la lentamente. Drástica não é a palavra certa. A Vale é muito complexa para se tomar medidas assim.
Folha - O preço do alumínio está defasado no mercado. Qual seria a solução para esse problema?
Steinbruch - Cada setor da economia sofre de uma sazonalidade. O alumínio talvez esteja em baixa agora, mas certamente chegará a um ponto em que estará estável. Há coisas que dependem de você, e outras, do mercado.
Folha - O que poderia ser feito?
Steinbruch - Buscar redução de custos, fazer mais investimentos.
Folha - A redução de custos poderia vir por meio de mais subsídios, além do de energia elétrica?
Steinbruch - Não acredito em subsídios. Acho justo pleitear as mesmas condições de seus maiores competidores. Subsídio por si só não resolve. E aumento de preço depende do mercado.
Folha - O governo favoreceu o Consórcio Valecom?
Steinbruch - Não sei se eles foram favorecidos pelo governo. Certamente a gente não foi.
Folha - O governo pressionou para que os fundos de pensão aderissem ao Valecom?
Steinbruch - Foi opção. Os fundos que estão com a gente são os que acreditam que têm de investir em negócios para criar riquezas, empregos e novas oportunidades. E eles estão certos. Os outros estão querendo só manter uma posição cômoda. Isso foi uma determinação dos fundos, não do governo. Nada melhor do que o próprio mercado para dizer se o preço está justo ou não. Qualquer desvio que possa ter ocorrido, com a disputa ele (o processo) fica legitimado.

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