São Paulo, sábado, 26 de abril de 1997
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Policial que Tarantino deve filmar é lançado

MAURICIO STYCER
DA REPORTAGEM LOCAL

O norte-americano Elmore Leonard integra um time meio desprezado de escritores, defensores da idéia de que, num romance policial, os diálogos são tão ou mais importantes que a própria trama.
"Ponche de Rum", livro da safra de 1992 e que agora está sendo lançado no Brasil, é um belo exemplar dessa preocupação de Leonard.
O livro chega ao mercado brasileiro no momento em que rumores, ainda não confirmados oficialmente, dão conta de que uma versão da obra será filmada ainda este ano pelo cineasta Quentin Tarantino.
Penetrar no universo de Leonard exige um pouquinho de paciência. O seu gosto, para não dizer tara, pelos diálogos se manifesta já na primeira página de "Ponche de Rum", numa conversa entre dois personagens que não demonstram a menor preocupação de convidar o leitor a participar.
"Você já tinha visto tanta polícia? Ora, é claro que já", pergunta e responde um tal de Ordell, conversando com um tal de Louis, durante uma demonstração de neonazistas e skinheads em Miami.
Umas cem páginas mais tarde, você já saberá que Ordell é um malandro veterano e Louis, um malandro trapalhão. Se você voltar à primeira página, vai entender a conversa entre os dois. Se não voltar, tudo bem, também.
Leonard apresenta todos os seus personagens assim: colocando-os para conversar uns com os outros, na maior sem-cerimônia. Nas primeiras 20 páginas, enquanto os diálogos se sucedem, o leitor se sente como cego em tiroteio, ou como se tivesse acabado de entrar numa festa sem conhecer ninguém. Pode ser divertido.
"Ponche de Rum" apresenta um mundo de escroques de calibres diversos, quase sempre muito bem caracterizados por Leonard, como Max Cherry, um sujeito que ganha a vida adiantando dinheiro a quem precisa pagar fianças para tirar bandidos da prisão.
Naturalmente, ao redor dos pilantras gravitam mulheres tão perigosas quanto divertidas.
O malandro Ordell, negro, é casado com três mulheres, uma pós-adolescente negra e ingênua, uma pin-up loira burra de 34 anos e uma negra de 63, que imita Diane Ross cantando com o grupo vocal Supremes. As três são de chorar de rir.
Fique de olho também em Jackie Burke, uma comissária de vôo especializada em casamentos com fracassados e em contrabando. Jackie é a mulher fatal de "Ponche de Rum".
A aventura de entrar no universo de Elmore Leonard é compensada não só pelas tiradas de seus personagens, mas também pela ironia do autor.
"Ordell se considerava um negociante internacional de armas, quando, na verdade, só vendia para viciados, jamaicanos malucos e agora os caras do cartel de Medellin", observa o autor, relatando uma conversa maluca entre o malandro trapalhão e a loira burra.
Tradução
A tradução de "Ponche de Rum" parece tropeçar em alguns obstáculos colocados pela prosa bem-humorada de Leonard.
Um exemplo: uma policial, mesmo utilizando um equipamento eletrônico, não consegue rastrear uma conversa dentro de um shopping. Então, ela diz: "Eu não consegui ouvir nada a não ser sr. Muzak". Ela está querendo dizer que só conseguiu ouvir música ambiente, conhecida como muzak, mas a tradução dá a entender que ela estava ouvindo alguém, ou algum cantor, chamado Muzak. Na página 201, Max Cherry aparece falando de uma "evidência" policial, mas tudo indica que ele esteja querendo falar de uma "prova" (evidence, em inglês).
Apesar dos percalços, a leitura de "Ponche de Rum" envolve o leitor tão facilmente quanto um coquetel à base de rum.

Livro: "Ponche de Rum", de Elmore Leonard
Lançamento: Rocco
Tradução: Léa Viveiros de Castro
Preço: R$ 27 (276 págs)

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