São Paulo, domingo, 27 de abril de 1997
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Não há parto sem dor

EMERSON KAPAZ

O clima transmitido pela imprensa nas últimas semanas é o de uma indisfarçável impaciência. Há uma cobrança permanente para que se resolvam já os complexos problemas existentes nas áreas da violência, da terra, do comércio exterior, das privatizações e tantos outros que nem cabem nas pesadas edições diárias dos jornais.
Essa insatisfação não só é saudável como reforça um sentimento que muitos ainda varrem para debaixo do tapete. É o sentimento de que um novo Brasil vem vindo. No entanto, cada vez mais, não há como negá-lo.
A abertura econômica, por exemplo, foi inicialmente saudada como o antídoto para as seqüelas de uma política de reserva de mercado que havia se esgotado. Depois, à medida que aumentava o desemprego industrial, percebeu-se que o ingresso do Brasil na globalização econômica, mesmo abrindo perspectivas modernizantes, precisava priorizar o fortalecimento do mercado interno.
Mais recentemente, o governo sinalizou que volta a tomar o rumo do mercado interno como o balizador do desenvolvimento, ao obrigar o pagamento à vista de bens de consumo importados.
Dessa forma, colocou fim a alguns absurdos. Um deles era o "dumping financeiro". Estimulados por prazos de financiamento de até 360 dias com juros de 5% ao ano, muitos oportunistas importavam mercadorias, vendiam-nas à vista e colocavam os recursos para render apetitosos juros no mercado financeiro nacional.
Para um fortalecimento consistente do mercado interno, é preciso aumentar a oferta de financiamentos vinculados à produção, principalmente para pequenas e médias empresas.
O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e algumas agências de desenvolvimento já começaram a perceber a importância de aumentarem a oferta dessas linhas. Certamente, algumas grandes corporações financeiras privadas já estão debruçadas sobre a questão.
Outro exemplo de grandes mudanças é o debate público sobre as descobertas da CPI dos Títulos Públicos. Ao desvendar negociatas, desvios de recursos públicos e utilização de laranjas, o Legislativo e a imprensa vêm injetando mais cimento nos pilares de uma consciência de cidadania que não tínhamos no Brasil de dez anos atrás.
De outra parte, a persistência da criminalidade, a violência policial e o drama dos sem-terra nos lembram o quanto ainda precisamos percorrer para acabar com a exclusão social. No entanto, vejamos o país como um paciente que havia sido acometido de uma doença grave e foi para na UTI. O risco de uma doença terminal, no caso a hiperinflação, foi definitivamente afastado. Agora, isso não significa que o paciente já possa levantar da cama e sair por aí como um atleta.
Temos fortes indícios de que o período de convalescença poderá ser breve. O super-teto para aposentadoria do funcionalismo público foi derrubado porque o país não suporta mais sustentar privilégios descabidos. As demais reformas recomeçam a tramitar no Congresso.
O déficit da balança comercial obriga governo e empresas a reverem suas posições. Novas e corretas sinalizações surgem, como no caso da política de telecomunicações. Nesta área, foi zerada a alíquota do Imposto de Importação de componentes e aumentada aquela aplicada aos produtos finais.
Ainda teremos muitos problemas pela frente. Mas o país está mudando, a despeito daqueles que não querem reconhecê-lo. E, como não há parto sem dor, proponho que passemos a pensar também no nascituro, e não apenas na parturiente.

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