São Paulo, domingo, 27 de abril de 1997
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Armandinho se iguala a Jacob do Bandolim

LUÍS NASSIF
COLUNISTA DA FOLHA

Afirmar que Armandinho -que realiza shows este final de semana em São Paulo- é o maior bandolinista da atualidade é certo, mas é pouco. Dizer que é o maior bandolinista que surgiu no país depois de Jacob do Bandolim melhora, mas é insuficiente. Sustentar que é o maior instrumentista brasileiro surgido nos últimos 20 anos é justo, mas ainda não reflete todo o seu talento.
Na verdade, Armandinho, guitarrista e bandolinista, rei do Carnaval baiano, é um dos maiores instrumentistas da história e um bandolinista à altura do rei Jacob.
Tem lugar de honra em qualquer ranking dos maiores instrumentistas brasileiros do século, ao lado de Patápio, Pixinguinha, Radamés, Altamiro, Garoto, Jacob, Hermeto, Baden, Raphael Rabello, Luiz Americano e Paulo Moura, entre poucos outros.
Sua capacidade de improvisar no choro só tem paralelo no próprio Pixinguinha, e em Baden, Raphael, talvez em Garoto e no argentino Oscar Aleman -que se formou no choro em Santos e se tornou um dos mais reputados guitarristas de jazz da história.
A história do bandolim brasileiro tem três momentos fortes. Começa com Luperce Miranda, trazendo um bandolim agilíssimo, mas de pouca interpretação.
Nos anos 40, ao mesmo tempo em que começa a revolucionar o violão brasileiro, Garoto arrisca algumas escapadelas no bandolim em poucas gravações, mas suficientes para plantar as sementes do segundo momento forte do instrumento.
O gênio de Garoto, aliás, ainda está por ser devidamente avaliado. Foi uma espécie de Fernando Pessoa da nossa música, incorporando personalidades distintas e geniais. Ele consegue criar o estilo moderno de violão brasileiro (que vai ser incorporado depois pela bossa nova). No violão tenor, procede à mais competente fusão entre choro e jazz dos anos 40.
Em "Dinorá", gravada no final dos 40, Garoto, ao bandolim, sugere uma série de recursos de interpretação que Jacob vai retomar a partir dos anos 60, nos LPs que gravou antes de morrer -um dos pontos mais altos da música instrumental brasileira.
Jacob não era um improvisador, no sentido clássico. Era um intérprete sem paralelo, que recriava as músicas com versões tão completas que praticamente acabam por substituir a versão original.
Depois de Jacob, tudo ficou difícil para o choro e o bandolim. A força do seu talento praticamente amarrou ao seu estilo todos os bandolinistas que surgiram depois dele. Apareceram grandes nomes, como Déo Rian, Joel Nascimento (o grande nome pós-Jacob), Isaías e gênios pouco conhecidos -como João Macambira.
Recentemente, novos talentos -como Pedro Amorim, Jorge Cardoso, Aleh Ferreira e Miltinho Tachinha- começam a se libertar da influência de Jacob.
Essa ruptura criativa do choro, que permite o terceiro grande momento do bandolim brasileiro, surge a partir de Armandinho. À influência do choro clássico, legada a ele por seu pai Osmar (do trio Dodô e Osmar), Armandinho junta sua paixão por Jimmy Hendrix à familiaridade com os elementos da guitarra elétrica presentes no Carnaval baiano.
Essa fusão entre o choro e o pop resultou em uma explosão de criatividade, que se manifestou com o conjunto "A Cor do Som".
Anos depois Armandinho afasta-se do conjunto e passa a se dedicar ao seu trio especializado em Carnaval. Retorna para o cenário nacional a partir de gravações para o selo "Tom Brasil".
Nos últimos anos, tem acumulado diversos feitos internacionais. Nos festejos do Terceiro Milênio de Israel, apresentou-se com o flautista Altamiro Carrilho e o Zimbo Trio, ao lado dos maiores instrumentistas do mundo.
No show que irá realizar em São Paulo, será possível conhecer por inteiro seu talento. Os sons que arranca da madeira, arrebentando com os limites do som, como Hermeto; ou o balanço que lhe permitiu recriar clássicos de Jacob, como "Noites Cariocas" e "Assanhado", que nada ficam a dever ao mestre.
Não fosse sua mitológica preguiça baiana, já teria se tornado há tempos um dos instrumentistas mais reputados do planeta.

E-mail: lnassif@uol.com.br

Show: Armandinho e Grupo Nosso Choro
Quando: hoje, às 20h
Onde: Piccolo Espaço Cultural (r. Girassol, 323 - Vila Madalena, tel. 870-5884)

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