São Paulo, sexta-feira, 2 de maio de 1997
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Vem aí uma crise cambial?

MAILSON DA NÓBREGA

Já tem gente falando em crise cambial semelhante àquelas dos anos 80. Olham-se a deterioração da balança comercial, os remendos do governo para lidar com o problema e o aumento dos juros no exterior. Conclusão: preparemo-nos para o pior. É um exagero.
Dois desses remendos apareceram semana passada: a manutenção dos juros (TBC) para maio em 1,58% e a redução do IOF sobre operações de câmbio e empréstimos em moeda.
Ambos aumentaram os atrativos para a entrada de recursos externos. Mesmo com reservas de US$ 58 bilhões, o governo quis elevá-las, talvez para antecipar-se aos efeitos de uma provável elevação dos juros internacionais.
Houve duas interpretações pessimistas. Primeira: como as medidas aumentarão a entrada de recursos do exterior, o correspondente enxugamento da liquidez agravará o déficit público.
Segunda: a busca de mais reservas significa que não vamos ajustar a balança comercial. Continuamos na rota perigosa rumo à crise cambial.
Crises cambiais têm sido comuns nos países em desenvolvimento, por erros ou por fatores externos fora de seu controle. O Brasil viveu algumas, a pior delas após a moratória mexicana de 1982.
Elas são raras nos países ricos, que possuem sistemas de alerta e "checks and balances". Agem, assim, antes que a situação se deteriore. Contam com a coordenação entre seus governos para enfrentar ataques especulativos contra suas moedas.
Se examinarmos as causas das crises cambiais brasileiras, veremos que elas poderiam ter sido evitadas se dispuséssemos desses mecanismos. Felizmente, tudo indica que temos melhorado nesse campo.
Diferimos do passado em pelo menos três aspectos: (1) a disponibilidade e a transparência das informações, (2) a independência da mídia e (3) os mercados futuros. Curiosamente, o México não possuía nenhum deles.
A dificuldade de detectar a crise mexicana de 1994 decorreu do entusiasmo exagerado dos investidores, mas se suspeita de que muitos se iludiram com informações incorretas sobre as contas públicas, que em parte causaram a deterioração do balanço de pagamentos.
No Brasil de hoje, é praticamente impossível a manipulação estatística para mascarar problemas com o déficit público e a situação cambial.
Divulga-se diariamente o movimento cambial, semanalmente os resultados da balança comercial e mensalmente as reservas internacionais.
As informações sobre comércio exterior estão em um sistema eletrônico de amplo acesso, o Siscomex.
Antes, a balança comercial saía 30 dias depois do mês. Podiam-se esconder problemas nas contas externas, como ocorreu quando o Plano Cruzado começou a soçobrar. Nem sequer havia levantamento sistemático das contas públicas, agora divulgadas regularmente.
As reservas eram informadas com defasagem de seis meses. Nada se sabia sobre os fluxos diários. As estatísticas de comércio exterior provinham de guias preenchidas manualmente.
Atualmente, a independência da mídia e de seus colunistas econômicos assegura canais permanentes para a crítica. Os mercados futuros permitem o "hedge" e emitem sinais sobre a situação cambial.
Democratizou-se o uso das informações. Criou-se um conjunto de sensores para detectar problemas nas contas externas.
No passado, sem esses sensores, a percepção defasada da crise precipitava uma corrida às reservas. Sem alternativas de "hedge", usavam-se os direitos de remessa de dividendos e se aceleravam as importações autorizadas.
A partir de 1986, o Banco Central começou a mudar esse quadro. Vendia ouro para acalmar os mercados -o que não resolvia, entretanto, a questão da perda de reservas. Hoje, os leilões de "spread" da taxa de câmbio tornaram a intervenção mais eficaz e menos custosa.
Passamos a dispor, portanto, de nosso próprio sistema de alerta e de "checks and balances". Só não temos a segurança quanto ao que pode ocorrer em caso de um evento externo desfavorável.
Se esse evento acontecer, é muito provável que os países industrializados e as instituições multilaterais atuem para evitar uma crise sistêmica como a de 1982. O pacote em favor do México não teria decorrido apenas da sua vizinhança com os EUA.
Isso não leva à lassidão na política econômica. Os sensores terminarão induzindo o governo a agir. É baixo, por tudo isso, o risco de crises cambiais como as do passado.

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