São Paulo, quinta-feira, 8 de maio de 1997
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"Zazá" tem olhar míope sobre passado e futuro

MURILO GABRIELLI
ESPECIAL PARA A FOLHA

O Brasil decola ou não? Essa é a questão que Lauro César Muniz diz nortear a trama de sua novela "Zazá", que estreou na última segunda na faixa das 19h da Globo.
A fixação da personagem-título (Fernanda Montenegro) por aviões e um suposto parentesco com Santos Dumont a levam a sonhar com a construção de uma aeronave revolucionária.
A consecução ou não do projeto funcionaria como metáfora do progresso do país.
A essa metáfora uma tanto óbvia, impõe-se outra, aparentemente mais sutil e muito mais interessante. Tudo na novela remete à entrada do Brasil na era da globalização, ou melhor, a percepção que a classe média tem desse processo.
Prega-se, ao mesmo tempo, uma modernização e um olhar para trás. Zazá quer levar o país ao Primeiro Mundo, sonha com o desenvolvimento de uma tecnologia puramente nacional, e busca força na sua genealogia, nas loucuras de adolescência.
Tenta, na terceira idade, escapar à tutela medrosa e medíocre do marido (Jorge Dória, na pele do empresário especulador e conservador, que teme investir em pesquisa), que adormeceu por décadas o gigante espírito empreendedor da mulher.
Exibe-se, num certo sentido, um dos maiores paradoxos desta era: ao mesmo tempo em que se procura a integração global, assiste-se ao crescimento do regionalismo, o recrudescer do nacionalismo.
Esse nacionalismo tende a se apoiar em valores míticos, de uma época supostamente heróica. Seu nascimento coincidira com o surgimento do estado liberal burguês -época em que se criaram os símbolos, a ideologia e os heróis nacionais.
O Brasil, porém, entrou atrasado -e não completamente- nessa era burguesa. Subsistem até hoje no país valores e estruturas que lhe são anteriores.
Soa, portanto, vazio o discurso neoliberal da novela, que tenta resgatar um passado glorioso e criativo que nunca houve.
Enquanto mistifica o passado, "Zazá" fetichiza o futuro. A última novidade tecnológica não aparece como meio mais eficiente de produção, mas como um fim, dotado de poderes quase místicos.
O diálogo medíocre que Zazá trava como os filhos ganha relevo apenas quando realizado por meio de telefones celulares -o meio conferindo um sentido outro a palavras que permanecem vazias.
O vilão Silas (Ney Latorraca) tece seus planos maquiavélicos em uma tela de computador multimídia. Ele acessa a Internet para escrever memorandos que parecem saídos de um diário adolescente.
Não importa o conteúdo, porém: o aparato "high tech" garante a magia do ato -reforçada, no caso, por símbolos arcanos, que servem de senha para entrar nos programas de Silas.
A miopia impera na visão que se tem do porvir e do que passou. A metáfora não se sustenta. Restaria, então, a capacidade de entretenimento da novela.
Essa empresa, a princípio, pareceria um pouco mais fácil.
Em postura conservadora, a Globo preferiu investir no consagrado, escalando para os principais papéis Fernanda Montenegro, Jorge Dória, Ney Latorraca, Natália Timberg e Cecil Thiré, em detrimento de novos valores desprovidos de conteúdo.
Nem o brilho desses talentos, contudo, consegue ofuscar o espectador, que enxergava já no segundo capítulo um desgaste da única piada -os devaneios de Zazá versus o racionalismo da família- que o texto apresenta.

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