São Paulo, domingo, 11 de maio de 1997
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Esquerda quer "capitalismo regulado"

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL AO CHILE

A esquerda dos quatro principais países latino-americanos, inclusive Brasil, informa: sai o socialismo, entra "o capitalismo democratizado".
A nova escalação dos princípios da esquerda (leia texto ao lado) surge com a nitidez do texto-base que as mais eminentes personalidades de esquerda e centro-esquerda de Brasil, Argentina, Chile e México começaram ontem a discutir durante a "4ª Reunião de Políticas Alternativas para a América Latina".
O documento-base não inclui uma única vez a palavra "socialismo". Não por falta de espaço: ocupou quase duas páginas na edição de domingo passado do caderno Mais desta Folha.
Seu autor, o filósofo Roberto Mangabeira Unger, professor de direito na universidade norte-americana de Harvard, justifica: "Incluir a palavra socialismo causaria muita confusão, pois seria preciso definir o conteúdo dela".
É verdade que os petistas presentes ao encontro não dão o texto-base como um documento definitivo, até porque ainda terá que sobreviver aos debates de hoje e amanhã.
Mas José Dirceu, presidente nacional do PT, antecipa que as discordâncias do partido em relação ao texto "não são tanto pela ausência da palavra socialismo".
Outro petista destacado, o ex-prefeito de Porto Alegre e "presidenciável" Tarso Genro, diz que os encontros do grupo não se destinam a debater o socialismo, mas "um capitalismo regulado".
A ausência da palavra simbólica não impede Tarso de dizer que o documento, ao propor o "capitalismo regulado", pode exercer "um papel civilizatório e, portanto, representar um avanço".
Privatizações
O documento derruba outro dos dogmas a que a esquerda se apegou no Brasil: não condena as privatizações de empresas estatais.
Luiz Inácio Lula da Silva, o líder histórico do PT, reforça essa tese, embora mantenha sua posição contrária à privatização de setores que considera estratégicos.
FGTS
Tanto reforça que vai propor ao presidente Fernando Henrique Cardoso, em encontro nos próximos dias, que as ações das estatais a serem privatizadas sejam trocadas pelas cotas que todo assalariado com carteira assinada tem no FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço).
Lula acha que os opositores à venda da Vale do Rio Doce erraram duplamente: primeiro, por não terem criado um "clima nacionalista" (ou seja, defender que a privatização, se tivesse que ser feita, beneficiasse um grupo nacional).
E, segundo, ao não apresentarem "proposta alternativa" ao critério adotado pelo governo (como a troca de ações pelas cotas do FGTS).
A aceitação, mesmo que a contragosto, do "capitalismo democratizado" (ou "regulado", como prefere Tarso Genro), ficou simbolizada pela escolha do local do encontro, feita pelos anfitriões (o Partido Socialista chileno).
Os expoentes de esquerda e centro-esquerda estão hospedados no exuberante Marbella Resort, 160 quilômetros ao norte de Santiago, um complexo que oferece tudo o que o capitalismo tem de ponta em lazer: de campo de golfe a pista de equitação.
Despesas pagas
Para acentuar a ironia, as despesas são pagas pela Fundação 21, um centro de estudos criado pelo senador e ex-ministro chileno da Economia Carlos Ominami. Ele começou na política como militante do MIR (Movimento de Esquerda Revolucionária), que adotava a luta armada.
O quarto encontro encerra a fase preliminar dos trabalhos do grupo. Depois, uma equipe menor vai preparar o manifesto final, que conterá as propostas definitivas dos partidos de esquerda e centro-esquerda dos quatro países.
Mangabeira Unger, o coordenador, garante que o manifesto fica pronto em tempo para eventual utilização por parte de uma frente centro-esquerdista nas eleições brasileiras de 1998.

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