São Paulo, domingo, 11 de maio de 1997
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Nova geração de mafioso ameaça a Itália

ANDREW GUMBEL
DO "THE INDEPENDENT, EM PALERMO

Após 'calmaria', grupos se recompõem, trabalham com contrabando nuclear e se expandem para o Leste Europeu

Nova geração de mafiosos ameaça a Itália
Mais uma vez, uma nova geração de mafiosos aperta suas garras sobre várias partes da Itália.
Depois de um período de euforia, com prisões e julgamentos em massa (que receberam amplo espaço na mídia) e uma verdadeira fúria de informantes (que lançaram luz nos cantos mais escuros da história italiana do pós-guerra), a luta para derrotar a Cosa Nostra está desmoronando.
Essa é a conclusão dos juízes que trabalham diretamente no combate à Máfia na Sicília e que foi confirmada por investigação do jornal britânico "The Independent".
"As pessoas querem muito convencer a si mesmas de que a guerra contra a Máfia foi vencidas", disse Antonio Ingroia, um dos mais brilhantes jovens promotores do Palácio da Justiça de Palermo, capital da Sicília.
"Mas a nossa impressão hoje é menos otimista. Os juízes se sentem isolados e abandonados pelo Estado, e as pessoas novamente já percebem a presença dos chefões", diz Ingroia.
A nova Máfia pode ser menos violenta do que a variedade que detinha o poder no final dos anos 80 e começo dos 90. Pelo menos por enquanto, não se vêem mais magistrados ou políticos baleados nas ruas.
Apesar disso, a situação é grave. Os grupos de crime organizado souberam tirar vantagem da instabilidade política, recessão econômica e enfraquecimento da magistratura.
Eles voltaram a implantar os esquemas de proteção, estenderam a outros países seus interesses empresariais e o clima de medo.
Com a sua considerável força financeira, essas organizações se expandiram para o norte da Itália e o resto da Europa, estabelecendo ligações com os mercados emergentes do Leste, em especial de Albânia, Turquia e Rússia.
Armas e lixo tóxico
Além das drogas, os mafiosos agora negociam com armas, materiais nucleares e lixo tóxico. No sul da Itália, as cidades e aldeias voltam a ser assaltadas, com vigor renovado, por esquemas de extorsão e violência gratuita.
A luta contra a Máfia passou por um período de vigor sem precedentes depois do assassinato de Giovanni Falcone, o pioneiro juiz siciliano que foi pelos ares numa estrada na periferia de Palermo, há cinco anos.
Em pouco tempo, os assassinos de Falcone foram presos e levados a julgamento. As provas obtidas contra eles, por sua vez, levaram a novas descobertas e outras prisões. Esse impulso, no entanto, já passou.
A principal razão é o desejo da classe política de pôr fim aos muitos escândalos que atingiram a velha ordem democrata-cristã.
Combate aos magistrados
A prioridade em Roma já não é fortalecer o Judiciário e atacar a corrupção e o crime organizado, mas sim combater os próprios magistrados, com o objetivo de impedir novas investidas contra o status quo.
Um novo projeto de lei sobre os informantes da Máfia pode ter efeitos devastadores no combate ao crime organizado (leia texto nesta página).
Mas isso não é tudo. Uma lei sobre regimes de prisão especialmente duros para os chefes da Máfia está sendo relaxada, e estão sendo fechadas duas penitenciárias de alta segurança particularmente temidas pela Cosa Nostra.
Dessa forma, está sendo desmantelada uma grande parte do arsenal anti-Máfia construído sob o impacto do brutal assassinato de Falcone.
Técnicas
Giovanni Falcone não foi apenas o juiz mais eficiente no combate à Máfia. Ele inventou as técnicas para atingir o mundo secreto da Cosa Nostra.
Foi Falcone quem convenceu um velho mafioso, Tommaso Buscetta, a romper o sagrado código de silêncio da organização.
Também foi Falcone quem dirigiu os grandes julgamentos de meados dos anos 80, com centenas de mafiosos dentro de jaulas, no fundo de salas construídas especialmente para esse fim, em Palermo. Lá, centenas de criminosos foram sentenciados à prisão perpétua.
E foi Falcone, com outro juiz que também foi assassinado, Paolo Borsellino, quem conseguiu entender a mentalidade dos mafiosos e expôs a estrutura da organização, com seus estranhos códigos e ritos de iniciação, seus valores e suas estratégias.
Emblema
Talvez o símbolo máximo da nova disposição nos meios políticos seja Giulio Andreotti. Dirigente do Partido Democrata Cristão do pós-guerra e sete vezes primeiro-ministro, ele está sendo julgado há dois anos pela acusação de envolvimento com a Máfia siciliana.
Andreotti tem liberdade de ir e vir, é festejado no Parlamento e convidado para uma lista infindável de lançamentos de livros, jantares e recepções.
Enquanto isso, tudo indica que seu julgamento vá se arrastar por tanto tempo que não apenas ele, mas também muitos dos outros envolvidos, provavelmente estarão mortos antes de a sentença final ser proferida.

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