São Paulo, terça-feira, 13 de maio de 1997
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Branagh exibe exagerado 'Hamlet' com 4h de duração

SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A CANNES

Branagh exibe exagerado 'Hamlet' com 4h de duração

Versão para a tragédia traz de Charlton Heston a Billy Cristal
Vaidade, teu nome é Kenneth Branagh. Seu "Hamlet" de proporções josé-celsianas -4h02 de duração- foi exibido ontem no Festival de Cannes.
O filme, dirigido e protagonizado pelo britânico a partir da tragédia homônima de William Shakespeare, faz parte dos fora-de-competição da seleção oficial.
Não, Branagh não fica o tempo todo suado e sem camisa como em "Frankenstein", mas é exagerado como sempre, e isso quase estraga o épico. Quase, porque o filme é muito bom.
Muito bom pela atuação e composição do elenco -e o mérito aí é em parte do diretor Branagh-, cujos destaques são Derek Jacobi (ótimo como Cláudio), Kate Winslet (uma Ofélia que é a cara da Madonna) e Richard Briers (o melhor Polônio das telas).
Diverte ainda pelos coadjuvantes -Jack Lemmon, em sua estréia shakespeariana, como o guarda Marcelo (o que diz que "há algo de podre..."); Robin Williams como um afetadíssimo Osric, o juiz do duelo final entre Hamlet e Laertes; Billy Crystal como o coveiro que mostra a caveira de Yorick...
E Charlton Heston, que interpreta o Rei-Ator, um papel quase sempre cortado nas versões normais. Digno e sério, o eterno Ben-Hur parece ter perdido a canastrice com a idade. "Fiz todos os papéis e afirmo: não há nada igual a William", disse ele ontem.
Há ainda o sabor irresistível de se estar assistindo a uma obra "inédita", uma versão "remasterizada" (desculpem os puristas) de Shakespeare.
É que nunca o cinema -e raríssimas vezes o teatro recente- mostrou "Hamlet" na íntegra, nem mesmo na célebre versão de Laurence Olivier de 1948 (ele, aliás, mantém o cetro de melhor Hamlet das telas até agora).
Na de Kenneth Branagh, não há palavra que tenha ficado de fora; existe então toda uma nova peça a se descobrir, com apetite arqueológico e resultados incríveis.
Fortimbrás, por exemplo, que sempre aparece do nada após o banho de sangue final, ganha uma história consistente; Polônio ressurge com toda a importância com que foi concebido. Na versão do diretor britânico, há algumas mudanças. A principal delas é a época em que se passa a trama: encenada pela primeira vez em 1602, "Hamlet" se desenrola originalmente no século 12; na visão de Branagh, os eventos acontecem no século 19.
"Escolhi essa época por achar que as famílias reais de então davam mais o clima de intriga e escândalos que eu buscava", disse. Outra é que Hamlet e Ofélia chegam às vias de fato -os dois aparecem transando, coisa que, a menos que tenhamos todos lido o livro errado, William Shakespeare não dizia.
Por fim, com US$ 18 milhões no bolso e Hollywood por trás, o diretor realizou alguns caprichos -como banhar Elsinore de neve artificial ou fazer a terra literalmente abrir quando Hamlet e seus guardas juram segredo na aparição do fantasma do pai.
Por fim, por razões contratuais, Branagh foi obrigado a fazer uma versão mais comercial, de 2h05, que deve estrear junto com a completa no Brasil, no segundo semestre. Não deixe de ver a integral, é muito melhor.

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