São Paulo, terça-feira, 13 de maio de 1997
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Direitos humanos e a lentidão do Congresso

JAMES CAVALLARO

Dia 31 de março. É noite e a TV apresenta cenas chocantes de brutalidade, quando PMs achacam, espancam e matam numa favela de Diadema. Uma semana depois, a TV exibe novas cenas de brutalidade policial, desta vez na Cidade de Deus. Logo depois, adolescentes queimam um índio em Brasília, em nome de uma brincadeira. Continuam numerosas as violações dos direitos humanos, e enorme sua abrangência, apesar de que faz um ano que o presidente Fernando Henrique Cardoso lançou o Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH), resultado de oito meses de esforços conjuntos da sociedade civil e do Ministério da Justiça.
Neste primeiro ano desde o seu lançamento, em 13 de maio de 1996, cabe perguntar: quais os efeitos produzidos pelo plano? É bom analisar essa questão sob três enfoques: primeiro, tendo em vista a importância do plano como um esforço conjunto da sociedade civil e do governo; segundo, a importância do plano como documento histórico; terceiro, até onde foram implementadas as medidas contempladas no plano.
No primeiro ponto, o governo tem buscado um diálogo franco e aberto com os grupos de defesa de todos os direitos humanos no processo de elaboração do plano. Cada vez mais, no Brasil, a linha marcante que separa as autoridades governamentais estaduais e federais e membros de organizações não-governamentais fica atenuada.
A crescente cooperação entre esses setores é um caminho para o futuro da verdadeira democracia. O PNDH, portanto, pode ser encarado como um exemplo mais claro da atitude acertada do governo federal em ver os grupos de direitos humanos como co-participantes na democracia. Infelizmente, essa atitude nem sempre é compartilhada pelas autoridades estaduais. Nas nossas pesquisas, mantemos contato constante com as mais diversas autoridades estaduais e podemos sentir uma diferença marcante entre as posições do governo federal e as de vários Estados, nos quais temos sido alvo de numerosos ataques infundados.
Quanto ao segundo enfoque, o plano é importante também como documento histórico, à medida que agrega as aspirações de toda a sociedade num determinado momento, com a promessa implícita do governo de que será feito o possível para implementá-las. Nesse sentido, o plano acaba sendo um parâmetro para avaliar o progresso do governo na implementação de providências concretas de proteção dos direitos humanos. O segundo mérito do plano, portanto, é ser a base para uma avaliação concreta.
A avaliação nesse ponto não é muito positiva, uma vez que suas medidas não obtiveram ainda o êxito esperado. Em particular, quem recebe uma avaliação negativa é o Congresso, que tem demonstrado pouco interesse na aprovação das medidas previstas no plano. Na área de segurança pública, por exemplo, com a exceção da tipificação do crime de tortura, por meio da lei 9.455/97 -resposta direta à indignação da sociedade à brutalidade policial em Diadema, divulgada pela TV- o Congresso, e mais especificamente o Senado, não tem aprovado quase nenhuma das medidas. Cabe mencionar que o Brasil já tinha assumido a obrigação internacional de tipificar o crime de tortura havia mais de sete anos -em setembro de 1989-, quando ratificou a Convenção Contra a Tortura.
Uma semana antes do lançamento do plano, o Senado desfigurou o projeto do deputado Hélio Bicudo, que, caso fosse aprovado na íntegra, teria transferido a competência sobre os crimes cometidos pela PM para a Justiça Comum. Assim, o projeto foi limitado somente aos casos de homicídio doloso. Medidas na área de segurança pública que ainda não foram aprovadas incluem mudanças tão fundamentais como a federalização dos crimes contra os direitos humanos, a criação de um programa nacional de direito humanos e a modificação da competência da Justiça Militar, entre outras.
Argumenta-se que a falta de aprovação de medidas concretas incluídas no plano é culpa do Executivo, uma vez que a garantia da aprovação dependeria da concessão de favores políticos. Cabe mencionar que, em matéria de direitos humanos, não é só o Executivo que assume obrigações internacionais. O Legislativo e o Judiciário também contraem tais obrigações. No caso do Congresso, ao aprovar as medidas contidas no PNDH, estará cumprindo com as obrigações internacionais assumidas pelo Brasil.
Logo, dizer que o êxito limitado do PNDH é responsabilidade exclusiva do Executivo implica não reconhecer o papel do Congresso num país democrático. Pensar que o Congresso não aprovou as medidas no PNDH por não ter recebido os favores correspondentes significa negar a possibilidade de que ele possa agir conforme as suas obrigações éticas. Prefiro pensar que o Congresso é capaz de assumir e cumprir com as suas obrigações internacionais, sem ter que barganhar para isso.

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