São Paulo, quarta-feira, 14 de maio de 1997
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Pequenas diferenças

JANIO DE FREITAS

Ao preço de deputado do Acre, que não se compara ao dos experientes parlamentares do Nordeste nem, muito menos, ao dos desenvolvidos do Sudeste, apenas cinco votos pró-reeleição custaram US$ 1 milhão. Todas as hipóteses de preços e de custo estão, pois, autorizadas, para explicar que nas últimas 96 horas anteriores à votação inicial, na Câmara, a emenda de reeleição pretendida por Fernando Henrique Cardoso tenha obtido 110 votos que lhe eram refratários e afinal lhe garantiram a aprovação.
Já nasceram inúteis as nervosas articulações unindo, desde cedo na manhã de ontem, Fernando Henrique, Antonio Carlos Magalhães, Michel Temer e os líderes governistas no Congresso. Em pouco tempo estavam todos oferecendo declarações idênticas: todas considerando muito grave a revelação da Folha, todas defendendo investigações rigorosas, mas todas pretendendo que a corrupção revelada "não prejudica a tramitação da emenda de reeleição" no Senado. Trata-se, ora essa, de mais "um fato isolado".
Não muito isolado, porém. Comprável e vendido, ainda assim o deputado Ronivon Santiago pode ser considerado mais honesto do que grande parte dos congressistas: é um vendido que tem a mínima honestidade de dizer que vendeu um voto por R$ 200 mil. E o que fazem, senão vender os seus votos, os seus relatórios e os seus projetos os parlamentares que prestam tais serviços em troca de apoio para ocupar cargos diretivos na Câmara e no Senado, ou um ministério, ou para nomeações de parentes e cabos eleitorais. E ainda acontecem, inumeráveis, os "serviços" parlamentares em troca de empréstimos oficiais privilegiados, rolagens infinitas de dívidas, reduções absurdas nos pagamentos eventuais.
Tudo isso é o dia-a-dia das relações entre grande parte dos congressistas e o governo. Mas não é confessado. Como não pode ser escondido de todo, para efeito público são "negociações políticas". O deputado Ronivon Santiago não fez outra coisa, com a diferença de que não recebeu em cargos que também custam dinheiro, nem nas outras formas de ganho não menos material. E com a outra diferença: é vendido confesso.
Quem quiser que acredite na compra de apenas cinco deputados. Iludir-se é o único direito concedido democraticamente, sem quaisquer distinções, a todo o eleitorado brasileiro.

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