São Paulo, quarta-feira, 14 de maio de 1997 |
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Real: a fase não assumida
ANTONIO BARROS DE CASTRO Todos sabemos que o Plano Real tem características que o diferenciam das demais tentativas de estabilização levadas a efeito neste país.Deixando de lado aspectos de natureza basicamente instrumental (como o uso das importações como rolo compressor dos preços), distinguem o atual programa a inquebrantável prioridade conferida à estabilização e o próprio êxito que vai sendo alcançado no combate à inflação. Sem desmerecer a continuidade, convém, no entanto, advertir que o programa tem sofrido substanciais modificações ao longo do tempo, de tal importância que permitem a caracterização de distintas fases. A existência dessas etapas deveria, aliás, ser evidente. Não o é, em boa medida, porque o governo e seus opositores não têm interesse em reconhecê-las. O governo, porque admiti-las seria aceitar que a administração do programa é uma navegação sujeita a erros, acertos e guinadas -nada tendo, por conseguinte, de científica. Além disso, porque a necessidade de mudança foi, em mais de um caso, pioneiramente assinalada por críticos do programa. Esses últimos têm outras razões para relutar em admitir a existência de fases: afinal, isso implicaria reconhecer que o plano é administrado com flexibilidade, que há nele certa dose de pragmatismo -e até mesmo que certos problemas vieram a ser enfrentados e contornados. Quais seriam, afinal, as fases do plano? A primeira tem início com o lançamento do plano, em 1º de julho de 1994. É uma fase de êxito retumbante, no qual a redução drástica da inflação é acompanhada de retomada vigorosa do crescimento. Nesse contexto, os que tentavam advertir quanto aos danos futuramente acarretados por uma taxa de câmbio fortemente apreciada -ou para a insustentabilidade da trajetória em que a economia estava ingressando- eram tratados como incapazes de entender as novidades introduzidas pelo Real. Para que se tenha idéia da insustentabilidade do movimento detonado pelo plano, basta, contudo, assinalar que, comparando o último trimestre de 1994 com aquele que precede o lançamento do plano, infere-se que o PIB então crescia a uma velocidade de 14% ao ano! Mas a festa da estabilização durou pouco. A segunda fase, cujas características começaram a se anunciar em plena explosão inicial, visava, essencialmente, contê-la. O colapso mexicano permitiu, no entanto, que a correção de certos excessos da fase anterior fosse confundida com a defesa da economia diante das implicações do "efeito tequila". Duas importantes observações devem ser acrescentadas acerca dessa etapa. Primeiro, chama a atenção a extraordinária determinação com que as autoridades se lançaram à salvação do plano. Segundo, cabe destacar que a brutal freada imposta à economia foi, do ponto de vista social, em boa medida compensada pela regra -criada pelo Congresso- de que durante um ano os salários seriam corrigidos pela inflação passada. Isso não apenas contribuiu decisivamente para a redistribuição de renda promovida pelo Real como anestesiou os efeitos sobre os trabalhadores (mas não sobre as empresas) da drástica freada que caracterizou a segunda fase. A terceira fase teve início quando os capitais externos que por um momento ensaiaram a fuga do país voltaram a buscá-lo. Em simultâneo, desapareceu o déficit da balança comercial. E, como se não bastasse, dissiparam-se os sinais de recrudescimento inflacionário -que chegaram a ser alarmantes em abril de 1995. Dobram os sinos. É a grande comemoração do Real. O próprio presidente da República se encarrega de proclamar a vitória e de anunciar a retomada do crescimento -de agora em diante, supostamente, moderado e sustentável. Numa palavra, a evolução da economia passava a estar sob controle. À medida que os juros (lentamente) baixassem, a economia suavemente reencontraria o crescimento. Diversos críticos, no entanto -postos mais uma vez na contramão-, percebiam indícios de que a economia continuava, sem os exageros da primeira fase, numa trajetória inviável. A quarta fase é a mais difícil de definir. A melhor maneira, talvez, de caracterizá-la consiste em perceber que ela nada mais é que um canhestro e improvisado remendo da terceira fase. De fato, a suave transição para o crescimento fracassou. Isso pode ser percebido de várias maneiras. Primeiramente, a recuperação permitida pela redução dos juros foi sendo abortada por reações naturais dos agentes econômicos: pelos mais recentes dados, a produção industrial encontra-se num nível ligeiramente inferior ao alcançado em novembro de 1996. Por outro lado, e à medida que se frustravam as expectativas no referente ao quadro externo, o governo ia transformando o que seria uma suave transição para o crescimento num quadro caracterizado pela profusão de medidas de estímulos às exportações, restrições às importações, regimes especiais etc. Por contraste com esse inconsistente quadro, a nova fase -que, idealmente, deveria ter sido lançada no dia seguinte à passagem da reeleição na Câmara- deveria caracterizar-se, numa heróica simplificação, pelas seguintes providências. Uma moderada desvalorização do real. Digo moderada não para minimizar o seu efeito inflacionário -que teria de ser contido mediante resfriamento da economia- e sim por duas razões. Primeiramente, porque o esforço das empresas para conviver com a taxa de câmbio apreciada parece ter avançado bastante -o que reduz a correção necessária. Segundo, porque um importante sentido da desvalorização seria de natureza meramente qualitativa: assinalar para as empresas que a fácil adaptação por aumento do coeficiente importado é uma conduta de alto risco. Numa palavra, elas estariam sendo induzidas a entrar num processo espontâneo de substituição de importações e de desenvolvimento de novas oportunidades de exportação. Um rearranjo e simplificação das numerosas intervenções setoriais hoje existentes, por meio de uma sintética e transparente definição dos critérios a ser preenchidos pelos setores que se decida, transitoriamente, apoiar ou socorrer. Essas medidas -que em nada conflitam com a retomada de esforços no sentido da correção do quadro fiscal- teriam por objetivo a efetiva retomada do crescimento, precoce e indevidamente anunciada na enganosa terceira fase. E, sobretudo, não se trataria de mais um expediente para enfeitar (em face dos investidores externos) os números da balança comercial. 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