São Paulo, quarta-feira, 14 de maio de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Rosa Maria..." descortina senzala

DENISE MOTA
DA REDAÇÃO

A invasão da então capitania de Pernambuco pelos holandeses ou o surgimento da cidade de Natal, no Rio Grande do Norte, não são mais do que detalhes em "Rosa Maria Egipcíaca da Vera Cruz", ficção da romancista Heloisa Maranhão que chega às livrarias.
Xirico, uma escrava do Nordeste colonial brasileiro que recebeu no país o nome cristão de Rosa Maria, acaba por "convencer" a autora a contar sua história e faz Maranhão cancelar todos os seus compromissos. É assim que a história começa: tendo como argumento a própria realidade.
Mas essa é apenas a primeira surpresa que a autora reserva para o leitor. O enredo, ao mesmo tempo em que descreve as aventuras de Xirico, deixa entrever a condição dos primeiros escravos brasileiros antes da chegada ao país.
São filhos diletos de tribos pequenas, príncipes de reinos perdidos na Etiópia, descendentes de comerciantes do Cairo.
Os escravos de "Rosa Maria..." servem a seus senhores como povos que foram vencidos por potências ascendentes, como Portugal e Inglaterra. Mas, mesmo ocupados em trabalhos pesados, não deixam de observar com olhos críticos a nova terra em que vivem nem se deixam influenciar pela cultura européia que os domina.
Os negros descritos por Heloisa Maranhão não se abatem pela escravidão, antes têm planos de voltar a seu povo.
Conservam, portanto, costumes e tradições, descritas fartamente no livro, com reproduções de fábulas infantis e orações e cantigas africanas.
Nesse sentido, o livro areja o imaginário da escravidão brasileira, ao retratar a vida na senzala a partir do dia-a-dia dos negros africanos, que têm relacionamentos e crenças distintas entre si.
A protagonista do livro, por exemplo, é alforriada depois que seu filho com o dono do engenho morre.
À la Xica da Silva, além da liberdade, Rosa Maria ganha terras na então cobiçada Minas Gerais e descobre estar milionária e cercada de servos.
A nova realidade, no entanto, não impede Xirico de prestar contas às divindades que a acompanham: a santa Rosa Maria Egipcíaca da Vera Cruz -prostituta egípcia que virou santa ao se dedicar inteiramente aos pobres-, de quem a escrava herdou o nome, e Xipoco-Xipocué, entidade africana detentora do bem e do mal, que mantém Xirico consciente dos problemas de seu povo.
"Rosa Maria Egipcíaca da Vera Cruz" torna-se, assim, um relato muito original da realidade doméstica do Brasil colonial. Agradável, pelos elementos culturais que incorpora naturalmente à narrativa. Instigante, por se preocupar em descortinar a vida na senzala do ponto de vista de um povo trazido de longe, aprisionado em um país estranho.

Livro: Rosa Maria Egipcíaca da Vera Cruz
Preço: R$ 18 (238 págs.)

Texto Anterior: Concurso é conservador
Próximo Texto: "Crônica das Horas" recupera décadas de 60 e 70
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.